Tem muita coisa boa nisso tudo que temos visto e OUVIDO por aí …. E  tem muita coisa absolutamente desnecessária, descartável, lixo religioso  mesmo, sem medo de soar arrogante e presunçoso. Não preciso argumentar  ou provar nada: peguem e ouçam . Falo de um ponto de vista  teológico-espiritual ( conteúdo bíblico, coerência com o histórico  ensino    bíblico cristão , reformado e evangélico ) , de um ponto de  vista estético ( melodias óbvias, harmonias do tipo  ctrl+c, crtl+ v ,  letras de mau-gosto , ou seja , as formulas  repetitivas dos clichês ,  clichês e mais clichês)  É : o BUSINESS tomou conta e as gravadoras  seculares apostam no ” Gospel ” como a salvação da bancarrota  fonográfica na era da pirataria e do download ilegal. ” Você adora, a  Som livre vende “. Argh… Ricardo Barbosa está certíssimo : ” Quem define o que cantamos no domingo são os executivos das gravadoras”.
Essa semana, Hans Kung me acordou com um soco : “Será que  tudo isso é ” Cristão” ? Só se for em um sentido tradicional,  superficial, falso (…) nada disso é ” Cristão ” no sentido mais  profundo, verdadeiro, original da palavra. Nada disso é verdadeiramente  cristão : nada tem a ver com Cristo, em cujo nome se baseia.”  ( Por que ser cristão hoje? , Ed Verus, p. 21 ) Parafraseando, nada  disso, esse mercantilismo, essa macdonaldizacao do culto comunitário,  esse louvor fast-food, essa droga de música e essa música-droga, ópio do  povo ( basta ver quem são os principais consumidores desses cds, dvds e  shows…), isso NÃO É MÚSICA EVANGÉLICA. Tudo o que for genuinamente evangélico tem de dar na forma e no conteúdo UMA BOA NOTICIA. Da  parte de Deus. Isso , essa música banal, não tem (a) Beleza, isso não  tem (a) Verdade. Isso não anuncia a Graça de Deus e o Deus da Graça,  isso não está à serviço e à favor dos valores do Reino de Deus, isso não  prega Jesus Crucificado, isso não pastoreia e edifica a sua Igreja.  Isso é coisa de Mamom, é ” Dança ao redor do Bezerro de Ouro ” ( Eugene  Peterson ).
Música ( e arte ) Evangélica deveriam trazer consigo SABEDORIA. Isso, arte-sabedoria, foi magistralmente sintetizado por Harold Bloom: ” esplendor estético, força intelectual e as nossas necessidades de beleza, verdade e discernimento. ”  ( Onde encontrar a sabedoria ? ( Ed. Objetiva, p. 13 )  Encontro essa  sabedoria nos Salmos, nos Hinos  Protestantes, das letras esplendidas de  Guilherme Kerr, Sergio Pimenta e Stênio Marcius.
Música ( e arte ) Evangélica deveriam trazer consigo POESIA.  Poesia é susto, invenção, novidade genial, artimanha e engenhosidade  criativa. Poesia, saibam os senhores, é muito mais que rimas. Poesia é  olhar a vida com olhos de criança, olhos de Deus: ” Talvez o amor e a natureza foram desde muito cedo as jazidas da minha poesia”, escrever Pablo Neruda ( Confesso que vivi - memórias , Ed. Difel, p. 12 ) Poesia evangélica ? Adélia Prado responde:
” Pensava assim:
 Se a cama for de ferro e as panelas, 
o resto Deus provê: 
 é nuvem, sonho, lembranças . ”
( Terra de santa Cruz, Ed. Record, p. 43 )
Eu sei que corro perigo aqui. Por isso recorro a Ferreira Gullar: ”  Não pode nenhum poeta - nem ninguém ter a pretensão de estabelecer  regras e rumos para a poesia (…) a produção do poema é absolutamente  impossível de prever-se. ” (  Sobre arte, sobre poesia, Ed. José  Olympio, p. 157 ) Mas que a poesia da canção Evangélica requer a leveza,  a originalidade e a profundidade das Parábolas de Jesus, poemas de  ouro, maravilhas teológicas e literárias, ah, isso requer e não tem  conversa. Encontro essa poesia nas letras subversivamente cristãs de Gladir Cabral e Paulo Nazareth ( Crombie ).
A verdadeira Música Evangélica é PARA A IGREJA E ( sobretudo ) PARA O MUNDO, A CULTURA.  Pode(ria) e deve(ria) ser cantada, entoada à boca grande em todo e  qualquer lugar. É como as palavras do Eclesiastes, O Livro de Jó, as  Doxologias de Paulo: poemas. Verdade de Deus, tesouro do Homem. Pode ser  bíblica sem citar a Bíblia? Pode. Deve. Precisa! Feito o livro de  Ester, um livro cujo autor não cita Deus, a oração ” como artificio  literário que visa a ressaltar o fato de que Deus é quem controla é  dirige coincidências aparentemente insignificantes “, como sacou Raymond Dillard ( Bíblia NVI de estudo, Ed. Vida, p. 793 ) Palavrantiga, que banda maravilhosa! Qualquer um um pode ouvir  Carlinhos Veiga, Roberto Diamanso, Carol Gualberto, Jorge Camargo, Diego Venâncio , Glauber Plaça…
A verdadeira Música Evangélica é TRINITÁRIA :  dialoga, convida, respeita o outro, compartilha, convida à Comunhão, sai  do Eu, vai pro Nós ou insiste no Eu-Tu, como nos ensinou Martim Buber,  filosofo judeu. A música que ouço por aí se dizendo evangélica ”  formulou , nas palavras sempre surpreendentes de Eugene Peterson, ”  uma nova trindade, que define o ’ eu ’ como o texto soberano para a vida  (…) Pai, Filho e Espirito Santo são substituídos por uma trindade  pessoal , muito individualizada , composta por meus desejos santos,  minhas necessidades santas e meus sentimentos santos “. ( Maravilhosa Bíblia, Ed. Mundo Cristão, p. 47 ) Ju Bragança, Tiago Vianna, Elly Aguiar, Silvestre, Denis Campos  me convidam a adorar ao Pai por meio do Filho no poder do Espírito!
A verdadeira Música Evangélica é, como toda arte, pequena ou grande, popular ou erudita, uma DÁDIVA. Sim, ”  toda obra de arte é uma doação, não uma mercadoria. As obras de arte  existem simultaneamente em duas economias:  a economia do mercado e a  economia da doação. (…) uma obra de arte é capaz de sobreviver sem  depender do mercado, mas quando não há doação não há obra de arte (…) a  arte que importa para nós - a arte que toca o coração, que enleva a  alma, deleita nossos sentidos, essa obra é sempre recebida como um  presente. “ ( Lewis Hyde, A dádiva: como o espírito criador transforma o mundo, Ed. Civ. Brasileira, p. 13,14 )
Sim, meus caros e afetuosos amigos, eu quero ( continuar a ) fazer  Música Evangélica. Será que me enquadro nesse parâmetros que a minha  consiência e integridade me apontam? Poderemos resgatar das ruínas esse  adjetivo tão precioso, enfiado na lama dessa industria religiosa?
Gerson Borges é pastoreador: pastor evangélico, poeta/musico e educador.