A VOCAÇÃO DA IGREJA
A  VOCAÇÃO DA IGREJA 
por: Jonas Madureira  
Aproximou-se  dele um dos escribas que os ouvira discutir e, percebendo que lhes havia  respondido bem, perguntou-lhe: “Qual é o principal de todos os  mandamentos?” Jesus respondeu: “O principal é: Ouve, Israel, o Senhor  nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o  coração, de toda a alma, de todo o entendimento e de todas as forças.  E o segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”  (Mc 12.28-34)
A vocação  da igreja é amar. Certamente, não é qualquer “amar”, mas um “amar” que  se direciona a Deus e ao próximo. Isso parece ser fácil de entender.  Mas não é! Temos uma forte tendência de separar radicalmente esse  duplo direcionamento que caracteriza a vocação da igreja, porque  estamos aparentemente convencidos de que “amar a Deus” e “amar o  próximo” são duas coisas distintas e independentes uma da outra. Veja,  poderíamos mostrar inúmeros exemplos de pessoas que se preocupam  demasiadamente com o culto, a liturgia e a estética da adoração, e  que infelizmente nada ou quase nada fazem pelo próximo. Portanto,  parece razoável crer que é possível amar a Deus sem amar o próximo.  Em contrapartida, poderíamos também mostrar vários exemplos de  pessoas que estão mais preocupadas com as obras de caridade do que com a  adoração a Deus. Para essas pessoas, o cristianismo se reduz a  acolher os carentes, os marginalizados, os discriminados, e por aí  vai... Por isso, parece ser bastante razoável acreditar que é  possível amar o próximo sem amar a Deus.
Fato é que as coisas  não são tão simples assim. É preciso entender que o “amar” que  caracteriza a ação da igreja no mundo é uma vocação divina, ou  seja, é um chamado, um mandamento (Mc 12.28-34). E isso faz toda a  diferença, pois o “amar” da igreja não é resultado de uma tendência  interna que supostamente acompanharia a essência da igreja. Pelo  contrário, o “amar” da igreja deve ser resultado de sua obediência ao  chamado divino. Ou seja, é Deus quem determina o modo que a igreja deve  amar! E isso é o bastante para nos convencer de que, em primeiro  lugar, precisamos abandonar qualquer perspectiva dicotomizadora da  vocação da igreja, e, em segundo lugar, que é possível, sim, amar a  Deus sem amar o próximo e amar o próximo sem amar a Deus, porém  nenhum desses dois amores é o tipo de amor que Deus reivindica de sua  igreja.
Entretanto, o que mais me preocupa não é a nossa  tendência de separar o duplo direcionamento do amor que Deus requer de  sua igreja. O que mais preocupa é que, no afã de abandonarmos nossa  tendência dicotomizadora, acabemos por identificar radicalmente o duplo  direcionamento do amor. Daí compreenderíamos muito mal a vocação da  igreja, pois entenderíamos que amar a Deus é a mesma coisa que amar o  próximo e amar o próximo a mesma coisa que amar a Deus. Recentemente,  vi um líder de jovens pregando para a moçada da igreja. Ele dizia  que, quando viu um menino de rua na sarjeta, estava vendo Jesus, e, ao  abraçá-lo, estava abraçando Jesus, e, ao amá-lo, estava amando  Jesus... Isso é muito bonito, soa agradável aos ouvidos. E dito ainda  com palavras melodramáticas e lágrimas no rosto, tal discurso torna-se,  para muitos, um apelo altamente piedoso! Porém, a dificuldade é  patente: Como aceitar que o ato de amar o próximo seja o mesmo que o  ato de amar a Deus? Jesus ensinou que não devemos confundir essas  instâncias. Basta lembrarmos que, quando um de seus discípulos  resmungou, porque uma mulher havia derramado um bálsamo caríssimo  sobre sua cabeça, dizendo: “Para que este desperdício? Este perfume  poderia ser vendido por muito dinheiro e dar-se aos pobres”, Jesus  imediatamente lhe respondeu: “Ela praticou boa ação para comigo...  Onde for pregado em todo mundo este evangelho, será também contado o  que ela fez” (Mt 26.7-13). Nesse episódio, Jesus nos ensinou que “amar a  Deus” não é a mesma coisa que “amar o próximo”.
Mas parece  que teríamos ainda um problema, pois, ao que parece, no contexto da  vocação da igreja, não poderíamos separar radicalmente os dois  amores, nem tampouco identificá-los. Será que é isso mesmo? Sim! É isso  mesmo! Ora, existem coisas no mundo que são assim, ou seja, coisas que  não podemos identificá-las, mas que tampouco podemos separá-las.  Por  exemplo, a cor, a saturação, o brilho, o sombreamento, o timbre são  coisas que não podem ser separadas de uma superfície ou de um corpo.  Veja, um galho pode ser cortado de uma árvore, mas a cor vermelha não  pode ser cortada da maçã. Portanto, existem coisas que podem ser  distintas, porém não podem existir separadamente. E isso vale para a  vocação da igreja, pois Deus não quer que o amemos sem amarmos o  próximo, nem tampouco que amemos o próximo sem amá-lo. Por isso,  todas as vezes que amamos a Deus somos convocados por ele a amar o  próximo, e todas as vezes que amamos o próximo somos imediatamente  convocados a amá-lo.
Portanto, se queremos cumprir nossa  vocação, não podemos separar radicalmente o “amar a Deus” do “amar o  próximo”. Esses dois amores são como a unidade de corpo e alma.  Podemos distingui-los, mas jamais dicotomizá-los. Se amarmos o próximo  sem amarmos a Deus, seremos como os ateus que são capazes de amar o  próximo sem amar a Deus; se amarmos a Deus sem amarmos o próximo,  seremos como os gnósticos que amam a alma e odeiam o corpo.
Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia seu  irmão, é mentiroso. Pois quem não ama seu irmão, a quem viu, não  pode amar a Deus, a quem não viu. E dele temos este mandamento: quem  ama a Deus ame também seu irmão (1Jo 4. 20,21). 
 
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