por Mauricio Zágari do blog apenas1 
O escritor George Orwell é muito conhecido por seu livro 1984.
 Nele, apresenta a famosa figura do Big Brother: a personificação de um 
Estado totalitário que, graças a um recurso tecnológico, consegue 
investigar a vida privada de cada cidadão. Mas o melhor e mais 
fascinante livro de Orwell não é esse: chama-se A revolução dos bichos.
 É um texto extremamente interessante e que nos nossos dias tornou-se 
altamente aplicável a uma parcela da Igreja de Nosso Senhor Jesus 
Cristo, como abordarei mais à frente.
Numa fazenda dominada por homens, os animais se revoltam, expulsam os
 humanos e tomam conta dos negócios, numa tentativa de romper com o 
modelo institucional que havia até então. Cada animal passa a, em 
teoria, ter um papel igualitário ao dos outros, embora com funções 
diferentes. Numa parede escrevem o estatuto da nova comunidade:
“Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
O que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
Nenhum animal usará roupa.
Nenhum animal dormirá em cama.
Nenhum animal beberá álcool.
Nenhum animal matará outro animal.
Todos os animais são iguais.”
O que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
Nenhum animal usará roupa.
Nenhum animal dormirá em cama.
Nenhum animal beberá álcool.
Nenhum animal matará outro animal.
Todos os animais são iguais.”
Me perdoem, mas vou contar o final da história. O tempo vai passando.
 Aos poucos, o inevitável acontece: um segmento da comunidade de 
animais, no caso, os porcos, começa a dominar a fazenda, impondo fardos 
pesados aos companheiros (patos, cavalos e outros). Dia após dia, eles 
se aproximam mais do que os humanos opressores eram tempos antes. Os 
porcos passam a se portar exatamente como os antigos proprietários da 
instituição: vestem-se com roupas de gente, fumam charutos, bebem álcool
 e ao fim acabam andando sobre duas pernas (patas). O desfecho do livro 
reserva a grande lição: na parede onde se leem os mandamentos dessa 
instituição que era para ser anti-institucionalizada, alguém faz um 
remendo na última norma: “Todos os animais são iguais – mas alguns são 
mais iguais do que os outros”.
A
 fábula, escrita com brilhantismo por Orwell, simplesmente reflete um 
fenômeno natural ao gênero humano: por mais que as pessoas busquem 
romper com as hierarquias e viver fora de instituições, as hierarquias 
sempre encontrarão um caminho para se reestabelecer e qualquer 
agrupamento social virará uma instituição. Isso é um fato da vida e um 
fenômeno tão natural como gelo derreter ao sol. Por isso, quando vejo a 
enxurrada de irmãos em Cristo que se lançam numa cruzada contra a Igreja
 institucional, inevitavelmente me lembro de A revolução dos bichos. Pois o que acontece nessas comunidades é exatamente o que ocorre na história do livro.
Na igreja
Para que esta reflexão faça sentido, temos que abrir
 um parêntese aqui e esclarecer o básico: o que é uma instituição? Vamos
 ao dicionário: “instituição” é “organização, estrutura”. Opa, isso já 
nos dá uma pista. Por essa definição, a Igreja institucional seria um 
agrupamento de cristãos em que a manifestação de seu relacionamento e 
culto a Deus se dá numa estrutura organizada. Eis o que caracterizaria 
uma igreja institucional: uma comunidade de pessoas que compartilham da 
mesma fé e que montam uma estrutura (com hierarquias, estatutos, 
liturgias etc) para que possam manifestar sua fé em Jesus Cristo de modo
 organizado.
A caminhada do indivíduo para fora de um modelo tradicional de igreja
 geralmente começa quando cristãos sinceros se chateiam com algo que 
está presente na congregação. São razões as mais variadas (umas 
legítimas, outras não), como discordâncias do pastor, ofensas ou frieza 
da parte de outros membros, cultos que não agradam ou coisa que o valha.
 Então esses irmãos abandonam sua antiga igreja e decidem que vão viver a
 fé cristã de modo supostamente desinstitucionalizado, seja em casa ou, 
como é mais comum, em comunidades alternativas – uma igreja doméstica, 
um pequeno grupo ou uma comunidade mais “livre”.
Em princípio é só alegria: uau, um modo de viver a fé sem a opressão 
ou os grilhões da instituição! Acreditam até alguns que estão vivendo de
 modo mais parecido com a Igreja primitiva. Mas aquele que tem uma visão
 mais sagaz já percebe que os porcos não tardarão a andar sobre duas 
patas.
Inevitavelmente, toda comunidade supostamente não-institucional acaba
 tendo líderes, o que é um traço de uma igreja institucional. Também 
acaba estabelecendo datas e horários de reuniões, o que é um traço de 
uma igreja institucional. Há ainda a especificação de formas de ação, o 
que é um traço de uma igreja institucional. Sem falar que as reuniões 
seguem sequências de eventos (lamento informar, mas isso é uma 
liturgia), o que é um traço de uma igreja institucional. E não podemos 
esquecer que muitas dessas igrejas que não se dizem igrejas têm CNPJ e, 
se você quiser abrir uma filial dessa “comunidade”, terá de pedir 
autorização formal e legal ao seu dono (não, Jesus não detém os direitos
 legais do CNPJ). Ou seja: qualquer tentativa de se fazer uma igreja 
não-institucional mais cedo ou mais tarde descambará para a 
institucionalização desse organismo. Fato: a desinstitucionalização da 
Igreja é uma utopia.
Esses irmãos – sinceros em suas intenções, faço questão de ressaltar –
 acabam, então, vivendo sua fé numa nova forma de instituição. Um pouco 
diferente da antiga igreja de onde vieram. Mas igualmente litúrgica, 
hierárquica, organizada e, desculpem ofender, institucionalizada. O fato
 de não pertencer formalmente a uma denominação, não ter um templo 
próprio ou ter uma liturgia em suas práticas diferentes do modelo mais 
comum não quer dizer em absoluto que aquilo não é uma instituição. Um 
bife pode virar estrogonofe no dia seguinte, mas não deixará de ser 
carne. É o que acontece.
Começa então um trabalho de autoconvencimento por meio da semântica. 
Para se sentirem melhor, dizem que não congregam mais em “igrejas”, mas 
sim em “comunidades”. Que não vão mais a “cultos”, mas a “encontros” ou 
“reuniões”. Que não têm mais “pastores” ou “líderes”, mas “irmãos mais 
experientes na fé”… Mas na essência é absolutamente igual! Assim, esses 
irmãos, felizes, passam a se convencer de que agora vivem numa 
comunidade mais apostólica, mais próxima da Igreja primitiva, 
esquecendo-se de que a Igreja primitiva era tão problemática como a de 
hoje. Basta ler as epístolas do NT. Basta ler as sete cartas às igrejas 
de Apocalipse. Quem ignora todos os descalabros e problemas que havia na
 Igreja primitiva deveria ler com mais atenção o NT e estudar as razões 
que levaram Paulo, Pedro, João e os outros autores canônicos a escrever 
suas cartas. E o que havia lá há cá: pe-ca-do!
Lembro-me
 de um movimento que tinha uma proposta muito similar à dos cristãos que
 querem acabar com a Igreja institucional: os hippies. Eles queriam 
soltar-se das amarras da sociedade institucionalizada, viver em 
liberdade, paz e amor e tal. Mas o movimento hippie acabou, os 
ex-hippies amadureceram, viraram homens de negócios e pais de famílias 
bem caretas e deixaram como legado uma sociedade mais depravada, 
libertina e pecaminosa. Ou seja: o legado do movimento hippie para os 
nossos dias (nem mesmo acabar com a guerra do Vietnã eles conseguiram) é
 ruim, uma má influência. E, lamentavelmente, a igreja anti-igreja corre
 um enorme risco de ir pelo mesmo caminho. E não percebe isso.
Muitos líderes mais visíveis das igrejas anti-igreja têm websites, 
possuem “comunidades” com CNPJ, vendem seus livros, pedem doações, têm 
horário para suas pregações, estabelecem liturgias sim (repare que suas 
transmissões via web ou coisa parecida sempre seguem o mesmo modelo) e 
fazem tudo de forma institucionalizada. Mas seu discurso é anti-Igreja 
institucional. Com isso, o grande problema é que não contribuem com 
absolutamente nada para a causa de Cristo – apenas satisfazem seus 
seguidores ao dizer o que eles gostariam de ouvir. São como os “porcos” 
(no sentido orwelliano, ressalto. Não tenho nenhuma intenção aqui de 
ofender ninguém, por favor, que isso fique claro) que já andam sobre 
duas patas, fumam charutos e vestem roupa de gente.
Conclusão
A cruzada anti-igreja institucionalizada é o caminho? Não, não é. 
Simplesmente porque todas essas comunidades são também instituições, 
apenas com formas de agir novas. Com dialetos e sotaques diferentes, mas
 apenas mais do mesmo. E em todas elas habita o verdadeiro problema, o grande vilão da história: pecado.
 Esse sim é o bicho-papão. Onde há pecado, os porcos vão sempre andar 
sobre duas patas e pessoas continuarão a ser magoadas, feridas e ficar 
chateadas com outros irmãos. Isso é inevitável. E acreditar que mudar os
 nomes das coisas e começar a se reunir em quintais e salas de estar em 
vez de santuários “institucionais” vai mudar isso é de uma ingenuidade 
atroz.
É óbvio que uma igreja institucional que se preocupa mais com a 
estrutura do que com as pessoas é uma instituição falida. Uma igreja 
institucional que funciona como uma empresa para sustentar a família do 
pastor ou que em vez de conduzir as ovelhas ao aprisco as conduz ao 
abatedouro tem sérios problemas de saúde. Uma igreja institucional que 
perdeu a espiritualidade, a simplicidade e o senso de discipulado é uma 
casca oca. Mas, por favor, entenda, isso não tem nada a ver com o fato de ela ser institucional.
 Tem a ver com o distanciamento de seus integrantes de Deus, com a perda
 de intimidade com o Senhor, com o esfriamento da fé. E isso pode 
acontecer em qualquer modelo de igreja. Seja ela “organizada” ou 
“desorganizada”.
Cristãos
 que perdem seu tempo precioso combatendo a Igreja institucional em vez 
de proclamar Cristo e pregar contra o pecado estão sendo tão úteis para o
 Reino de Deus como os hippies que fazem miçangas para vender na beira 
da praia são para a revolução social. E enquanto esse tempo é perdido, 
almas estão indo para o inferno, porque os que se chamam pelo nome do 
Senhor estão se perdendo em vãs discussões.
George Orwell estava certo. Expulsamos os homens da fazenda. Mas em 
seu lugar pomos apenas modelos novos da mesma coisa – só que com uma 
maquiagem diferente.
Paz a todos vocês que estão em Cristo (seja na Igreja institucional, 
na igreja dos anti-igreja ou em qualquer outro modelo em que o Corpo de 
Cristo se reúna para adorá-lO em espírito e em verdade).
Pitaco da Meire:
O que dizer? Acompanhem o blog Apenas 1 do jornalista Mauricio Zágari. 
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