Perplexidade que filme pode gerar é convite de não rendição às circunstâncias e de reencontro com nossa humanidade
No primeiro "Tropa de Elite", era o mano a mano, aquilo que a  psicodinâmica chama de pedagogia de violência, a tese da eliminação do  crime pela eliminação do criminoso. Em "Tropa de Elite 2", entram a  política, a sociedade e os direitos humanos.
Os personagens são mais complexos e interessantes. O professor  militante e o agora tenente-coronel Nascimento se estranham, mas se  encontram, mesmo sem o querer, na realidade dura que os envolve, em que  um é indispensável ao outro.
Quando o coronel "cai pra cima" e começa a conhecer mais a fundo a  sordidez entranhada no "sistema", já fica claro que, neste filme, a  polícia é coadjuvante. Agora, o assunto é política, em que se choca o  ovo da serpente da violência policial e das relações espúrias entre  poder de Estado e delinquência.
A escória da polícia se transforma em força auxiliar de ambições  políticas e, com isso, ganha licença irrestrita para o crime. Nascimento  e seus seguidores são manipulados no território que não tem mais  fronteiras legais porque a lei que vale já é a da própria bandidagem.
Como enfrentar? O mano a mano revela-se inútil porque a mão que joga  combustível na violência não está nas ruas, no tiroteio do dia a dia. O  sistema corrupto se alimenta do objetivo de permanecer no poder a  qualquer custo e essa é uma das principais chaves para a degradação da  política e do próprio tecido social.
É muito bem construída a trajetória da mudança de visão de  Nascimento. Só consegue fazê-lo por meio do encontro com sua própria  humanidade, no sofrimento pessoal de perdas e na relação conflituosa com  o filho, ao lutar para compreendê-lo e ser compreendido por ele.
Daí vem a consciência de sua impotência, de ser pequena presa numa  teia incomparavelmente maior do que suas estratégias e possibilidades de  reagir. A saída é radicalizar no mundo da política, é tentar atingir o  cerne da armadilha.
Depressão Política
O final me deu certa depressão política. É forte, mas passa uma  sensação de generalização que não é boa porque reafirma o senso comum de  que se sabe qual é o exato endereço do Mal. Destoa da capacidade de  lidar com a complexidade do tema, presente em todo o filme. E se perde  um pouco a importantíssima cortina levantada em relação ao voto, à  responsabilidade de cada cidadão.
Recebi há alguns dias um texto de Rachel de Queiroz (1910-2003),  escrito em 1947 para "O Cruzeiro". Ela alertava os eleitores do valor  daquilo que se entrega a maus políticos: "Vão lhes entregar um poder  enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para eles  comandarem... Entregamos a esses homens tanques, metralhadoras, canhões,  granadas, aviões, submarinos, navios de guerra... E tudo isso pode se  virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou  contra o seu amo e criador."
A cartada radical de Nascimento é pegar o inimigo não pela força das  armas, mas pela coragem de expor o sistema, trincando-o. O trânsito do  primeiro para o segundo "Tropa de Elite" é o coração da discussão  proposta por esse belo filme, de interpretações magníficas.
Nesse sentido, a impotência e a perplexidade que podem baixar quando a  luz se acende no cinema são um convite de não rendição às  circunstâncias. No limite, como aconteceu com Nascimento, todos vamos  querer nos reencontrar com nossa humanidade, exigir que ela seja  reconhecida.
Há sempre um ponto de retorno dado pelos indivíduos ou pela trama  social, pela cultura, pela espiritualidade ou pelas instituições, entre  elas a política. Que é das mais importantes, como se vê quando nos  deparamos com as consequências de sua deterioração.
Marina Silva, 52, é senadora da República (PV-AC),  foi candidata à Presidência da República pelo Partido Verde nesta  eleição e ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula (2003-2008).
Autor: Marina Silva 
via: Minha Marina
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