MÚSICA CRISTÃ CONTEMPORÂNEA - O PREÇO DA LIBERDADE -
Por Jorge Camargo
 A  reforma protestante representou uma ruptura com o mundo medieval. Desde  a revolta de Wycliff contra Roma na Inglaterra, passando por Lutero na  Alemanha, Calvino e tantos outros que os seguiram, a liberdade passou a  ser o lema. Liberdade para ler as Escrituras, para cultuar a Deus, para  ser uma comunidade religiosa não vinculada ao Estado, enfim, todas as  conquistas que vários registros na História têm destacado nos anos que  se seguiram a este movimento tão importante.
Ocorre  que a liberdade tem um preço, e um preço muito alto. É só olharmos a  realidade religiosa do contexto protestante ao nosso redor. Todo o dia  nasce uma nova comunidade, com teologia e prática próprias, apregoando  conceitos que seus líderes entendem que sejam inspirados pelos valores  expressos no texto sagrado, ou por valores muitas vezes inspirados por  outros textos (ou intentos) questionáveis. De novo, este é o preço da  liberdade.
Muitos,  bem intencionados, têm tentado "pôr ordem na casa", propondo uma  mobilização em prol de uma liga aglutinadora de pessoas e valores  reformados, que possam dar rumo e ser prumo para uma comunidade tão  desintegrada e desconectada. Ledo engano. O "bicho" da liberdade escapou  por entre os dedos, saltou na mata e não há santo (no sentido genérico  da palavra) que consiga capturá-lo, a fim de trazê-lo de volta à sua  redoma... Que cara é esta tal liberdade!
Há  20 e tantos anos trabalhando com música entre as comunidades cristãs,  observo que o fenômeno desta liberdade tem se manifestado também nas  artes, com toda a intensidade e todas as implicações dela decorrentes.  No início desta minha caminhada eram poucos os grupos, raras as  produções, difícil o acesso a material importado, por exemplo. Hoje as  coisas estão bem diferentes. Por conta, em parte, da abertura econômica  dos anos 90, temos nas prateleiras de nossas livrarias todo o tipo de  música religiosa internacional à disposição, sem falar na nacional, há  algum tempo rotulada de gospel.
Permita-me  você, leitor, que está dispondo deste seu tempo tão precioso a fim de  ler este texto e, quem sabe, saber onde acaba esta história sobre essa  tal liberdade, a mesma liberdade de dizer que discordo deste rótulo para  a música que eu e outros temos produzido e veiculado nos últimos anos.
Em nome da herança dos reformadores, em nome de mais de 2.000 anos de história cristã, em nome do bom senso, em nome de minhas convicções pessoais e da paixão com que escrevo as canções para e acerca de Deus, de meus conflitos, minha fé, minhas esperanças, como vejo o mundo e a vida, como interpreto o coração humano a partir do meu próprio coração, permitam-me, em nome desta liberdade, chamar minha música simplesmente de cristã. Sem querer que este nome se torne outro rótulo. Sem precisar de estratégia de marketing a fim de que esta música esteja nas melhores lojas do ramo. Sem expectativas de ser um sucesso. Com desejo, sim, de que outros ouçam, mas não a qualquer preço. Muito menos ao preço dessa liberdade tão preciosa de dizer o que está no coração, e não aquilo que as pesquisas me dizem que os outros querem ouvir.
Isto  não é liberdade, e sim prisão. E o preço da prisão, comparado ao enorme  preço da liberdade é, ainda assim, infinitamente mais alto.
Jorge Camargo é músico, compositor, intérprete, poeta, tradutor e mestreem ciências da religião pela Universidade Mackenzie.
www.jorgecamargo.com.br
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