domingo, dezembro 19, 2010

Os santos têm que caminhar sozinhos


Por A. W. Tozer

Os grandes santos caminharam em solidão. A solidão parece ser o preço a ser pago por todos os que buscam a santificação. Na aurora da criação – ou deveríamos dizer nas trevas que acometeram o homem após a criação – o piedoso Enoque andou com Deus e Deus o levou para si. Embora não conste no texto bíblico, presume-se que Enoque viveu diferentemente de seus contemporâneos.

Noé era outro solitário, porque, de todos os que viveram na era pré-diluviana ele foi um dos poucos que encontrou graça diante de Deus, e tudo indica que era um homem solitário, inda que cercado e tanta gente.

Abraão convivia com Sara e Ló e com outros servos e pastores, e os que lêem a história deste homem de Deus podem perceber que ele vivia como uma estrela solitária. Ao que parece Deus nunca falou a Abraão na presença de outros homens. Prostrado ele comungava com Deus e não existem indícios de que se prostrava diante de Deus na presença dos outros. Que cena solene quando na noite escura a tocha de fogo passou sobre os pedaços de animais. Abraão estava só! Ali, sozinho em meio as trevas terríveis que o acometeram, ele ouviu a voz de Deus, e entendeu que fora marcado para receber o favor divino.

Moisés também se separava. Vivendo na corte de Faraó ele caminhava sozinho, e numa dessas caminhadas longe da multidão ele viu um egípcio e um hebreu lutando, e saiu em socorro do compatriota. Depois que fugiu viveu em completa reclusão no deserto. Cuidando das ovelhas viu a sarça que ardia; anos depois no cume do Sinai ele ficou diante da maravilhosa Presença (de Deus), meio oculta, meio exposta pela nuvem e pelo fogo.

Os profetas do Antigo Testamento eram diferentes uns dos outros, mas uma marca tinham em comum: a solidão com Deus. Eles amavam o povo e alegravam-se com a religião de seus pais, no entanto, sua lealdade ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó, e o zelo pelo povo de Israel os afastava da multidão mergulhando-se em longos períodos de pesar. “Tornei-me estranho a meus irmãos e desconhecido aos filhos de minha mãe” (Sl 69.8). Foi o clamor de um deles que falou em nome dos demais!

Nada é mais revelador que a visão que Moisés teve daquele sobre quem todos os profetas escreveram, descrevendo-lhe a solidão na cruz. A solidão profunda não foi percebida pela presença da multidão.

É meia noite. No cimo das Oliveiras
A estrela brilhante seu brilho feneceu
É meia noite. No jardim, agora,
O Salvador sofredor solitário, ora.
É meia noite. Longe de todos
O Salvador luta contra seus temores, só.
Até o discípulo a quem ama
Não se importa com as dores e
Lágrimas do seu mestre. (Willian B. Tappan)

Na escuridão, solitário morreu, escondido dos mortais; e ninguém o viu quando triunfante ressuscitou saindo da tumba, inda que muitos o viram depois e deram testemunho de sua glória. Existem coisas sagradas demais para que o olho humano contemple, a não ser Deus. A curiosidade, o clamor, as boas intenções em querer ajudar, apenas impedem a alma que espera tornando impossível a comunicação da mensagem secreta de Deus ao coração do adorador.

Reagimos, muitas vezes a um tipo de religiosidade e repetimos por obrigação palavras e frases apropriadas, inda que estas não expressem nossos reais sentimentos, porque carecem de autenticidade e de experiência pessoal.

Este é o tempo para isto. Uma lealdade convencional pode levar algumas pessoas a dizerem que isto não é verdadeiro, afirmando coisas como, “não estou só”, porque Cristo disse “Nunca te deixarei nem te abandonarei” e “estarei contigo para sempre”. Como posso ficar sozinho se Jesus está comigo?

Claro, não quero analisar a sinceridade dessas pessoas, mas tal testemunho é lindo demais para ser real. É óbvio que é uma declaração do que deveria ser verdadeiro e não da realidade experimental. Esta alegre negação de solidão é prova de que a pessoa nunca andou com Deus a não ser pela sustentação e encorajamento da sociedade.

O senso de companhia que erroneamente atribui à presença de Cristo, possivelmente seja fruto da amizade das pessoas. Lembre-se que você não pode carregar sua cruz com outras pessoas. Mesmo que esteja cercado pela multidão, a cruz é só dele e a cruz que ele carrega marca-o como pessoa que vive à parte das demais. A sociedade está contra ele, do contrário não carregaria uma cruz. Ninguém é amigo de alguém com uma cruz. “Todos o abandonaram”.

A dor da solidão é fruto da constituição de nossa natureza. Deus nos fez gregários. Para viver em grupo. Este desejo por companhia é natural e correto. A solidão do cristão é resultado de sua caminhada com Deus num mundo impiedoso. Jornada que às vezes o afasta da companhia de bons irmãos, e também do mundo. O instinto que Deus pôs no cristão clama pela companhia de outras pessoas, por pessoas que entendam seus desejos, aspirações, sua dedicação a Cristo, e, pelo fato de haver tão poucas pessoas em seu círculo de amizade que partilham de experiências profundas, o cristão se vê forçado a andar só.

O desejo anelante dos profetas por compreensão humana levava-os a clamar e a reclamar, e até nosso Senhor sofreu da mesma maneira.

A pessoa que se posta ante a divina Presença e tem uma experiência interior, não será compreendida. Claro que se envolverá na vida social da igreja, porque terá que se encontrar com as pessoas nos cultos, mas encontrará dificuldades em encontrar a verdadeira amizade espiritual. E não pode esperar que as coisas sejam diferentes. Afinal, este cristão é um peregrino e estrangeiro, e a jornada que empreende não é feita com os pés, mas com o coração. Ela anda com Deus no jardim secreto de sua alma – e somente Deus pode caminhar com ele ali. Tal pessoa tem um espírito diferente daqueles que pisam os átrios da casa de Deus. O que ela vê, os demais apenas ouviram; e tal pessoa caminha com elas, à semelhança de Zacarias depois de sua experiência, quando as pessoas diziam: “Ele teve uma visão”.

O verdadeiro homem espiritual é um ente singular. Não vive para si mesmo, e sim para promover o interesse de Cristo. Procura persuadir os demais a entregarem tudo ao seu Senhor, sem se preocupar com o que irá receber em troca. Seu prazer não está em ser honrado, mas em ver seu Salvador glorificado diante dos homens. Seu prazer está em promover seu Senhor, enquanto ele mesmo quer ser negligenciado. Poucos são os que ele encontra que se interessam em conversar sobre o supremo objeto de seu prazer, por isso silencia e se preocupa no meio da multidão ruidosa e interesseira.

Não é sem razão que tem a reputação de ser duro e sério, por isso é evitado e o abismo entre ele e a sociedade aumenta. Busca encontrar amigos cujas vestes ele pode sentir o aroma das mirras e aloés e da cássia, pessoas que vivem longe dos palácios de marfins, e a poucos encontra, e ele, como Maria guarda essas coisas em seu coração.

É esta solidão que o lança nos braços de Deus. “Porque, se meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me acolherá” (Sl 29.10). Por não encontrar amizades humanas é impelido a buscar em Deus o que não consegue encontrar nos amigos. Aprende em solitude interior o que não consegue aprender com a multidão – que Cristo é tudo em todos, feito sabedoria, justiça, santificação e redenção, e que nele possuímos o sumo da vida.

Duas coisas ainda precisam ser ditas: Primeiro. O homem solitário do qual falamos não é um ser arrogante e orgulhoso, nem tampouco o mais santo que todos, um santo austero ironicamente satirizado pela literatura popular. Ele sente que é o menor de todos os homens, e se condena por sua solidão. Anela compartilhar seus sentimentos com outras pessoas, abrir seu coração com alguém que o entenda, mas o clima espiritual em que vive não o anima a fazê-lo, por isso permanece em silêncio e conta seus dramas somente a Deus.

Segundo. O santo solitário não se afasta nem ignora o sofrimento das pessoas, gastando seus dias em contemplação empírica. O contrário é verdadeiro. Sua solidão leva-o a sentir empatia aos quebrantados de coração, aos pecadores e caídos. Por viver separado do mundo pode ajudar os que são pelo mundo violentados. Meister Eckhart ensinava seus discípulos que se estivessem em oração e soubessem que uma pobre viúva precisava de alimentos, deveriam interromper o tempo de oração para cuidar da viúva. “Depois você pode recomeçar suas orações onde você as interrompeu. Deus não levará isso em conta”. Este é o comportamento típico dos grandes mestres e místicos de vida interior plena, desde os tempos de Paulo até nossos dias.

A fraqueza de certos cristãos é que se sentem confortavelmente em casa no mundo. Na tentativa de conseguir se ajustar a uma sociedade degenerada perderam sua característica de peregrinos e se tornaram parte da mesma ordem moral contra as quais deveriam protestar. O mundo os aceita e os reconhece pelo que são. E esta é a pior coisa que pode ser dita a respeito deles. Não são solitários nem santos.

Tradução de João A. de Souza Filho

Nenhum comentário: