DIGNO É O TRABALHADOR     DO SEU SALÁRIO
de Álvaro      César Pestana
Judas Iscariotes não gostou do "salário"     que recebeu por trabalhar com Jesus. Ele era um daqueles que pensava  que     "a piedade é fonte de lucro" (1 Timóteo 6.5). Ele queria     enriquecer. Quando percebeu que não iria fazer fortuna como     "tesoureiro do reino de Jesus" pediu de-missão. Pelos três anos     de serviço "inútil" de pregação do evangelho, ele exigiu uma     "indenização" de trinta moedas de prata, o preço que se     conseguia pela venda de um escravo.
Judas não passou nenhuma necessidade física  enquanto     foi enviado por Jesus para pregar o evangelho: todos os obreiros  recebiam     cama e comida nas cidades onde pregaram. Mas Judas certamente achava  que era     pouco. Ele provavelmente pretendia ganhar como um funcionário do  alto escalão     e não viver como um "bóia-fria". Não havia contentamento     naquele coração.
O provérbio que vamos estudar ensina aquilo que  Judas     não quis aprender. Qualquer obreiro ou discípulo que não aprender  esta lição,     pode estar cometendo o mesmo erro de Judas: pode estar comprando sua  própria     sepultura (Mateus 27.3-10).
RECEBER  O QUE     MERECE E MERECER O QUE RECEBE
"Digno é o trabalhador do seu salário"     (Lucas 10.7) é um dito de Jesus dirigido aos obreiros do evangelho.  Os doze     apóstolos foram encaminhados à missão em Israel com este ditado     (Mateus 10.10)42. Os setenta receberam a mesma recomendação (Lucas  10.7).     Paulo citou duas vezes este dito, uma vez fazendo referência à sua  pessoa     e aos obreiros em geral (1 Coríntios 9.14) e outra vez falando     especificamente sobre os bispos da igreja (1 Timóteo 5.18)44.
A forma como o ditado aparece em Mateus 10.10 é  um     pouco diferente da que ocorre no outros textos: "Digno é o  trabalhador     do seu alimento". O uso do termo "salário" (em Mateus 10.10)     ou "ali-mento" (em Lucas 10.7) não altera o sentido básico do     provérbio.
O sentido deste provérbio é duplo: o obreiro  vai     receber o que merece e o obreiro vai merecer o que recebe. Ele  vai     receber o que merece no sentido de sua segurança pessoal: ele não  vai     morrer de fome. Ele vai merecer o que recebe no sentido de que não  há     vergonha nenhuma em ser sustentado: ele é um homem honrado e digno.  Ele     merece. Assim o Mestre fala aos obreiros de segurança e honra,  liga-das ao     sustento que recebem por pregar o evangelho.
SEGURANÇA
"Preocupe-se com a pregação e não com a  provisão".     Este é o sentido das instruções dadas por Jesus aos missionários  (Mateus     10.9-11; Lucas 9.3-4) sobre o que não levar na viagem  missionária     (Marcos 6.8-10; Lucas 9.3-4). Não era necessário levar suprimentos  ou     dinheiro: Deus iria cuidar de tudo. Como? Eles deviam aceitar a     hospitalidade e sustento temporário de uma família da comunidade  visitada.     Eles anunciavam a aproximação do reino de Deus e nesta qualidade  deviam     ser sustentados pela comunidade de ouvintes "porque digno é o     trabalhador do seu salário" (Lucas 10.7). O obreiro precisa ter fé  em     Deus e confiança no valor de sua mensagem para deixar por conta de  Deus e     da importância da mensagem a garantia de sustento.
Jesus foi sustentado pelos que o seguiam (Lucas  8.1-3).     Paulo recebeu ajuda (Filipenses 4.10-20) e salário das igrejas (2  Coríntios11.8).     Os evangelistas itinerantes do fim do primeiro século eram  auxiliados     materialmente em seu trabalho (3 João 6). Este provérbio de Jesus     recomenda ao obreiro uma postura de fé para que confie no  suprimento,     sustento e alimento que Deus vai providenciar.
DESPRENDIMENTO
É importante notar que quando Jesus diz ao  obreiro que     ele vai ter o seu alimento, ele ordena ao mesmo tempo um  comportamento     desprendido. As recomendações para que não fiquem mudando de local  de     hospedagem (Mateus 10.11; Marcos 6.10; Lucas 9.4; 10.7-8) visam  proibir a     busca de melhores acomodações e melhor comida. O obreiro deve ficar     contente com o que recebe. Seu alvo é a pregação e não o conforto.
Estes textos tratam de obreiros itinerantes que     viajavam desacompanhados de família, ou por serem solteiros ou por  terem     deixado a família em casa (Lucas 18.28). Viajar com esposa  certa-mente     traria maiores necessidades (1 Coríntios 9.5). Mas em todos estes  casos, o     princípio permanece de que o obreiro não trabalha visando ficar  rico, mas     servir a Deus. O contentamento mencionado por Paulo (1 Timóteo  6.6-10) deve     ser a característica do obreiro em relação ao sustento material. O  desejo     de ter mais é perigoso e fonte de grandes problemas. O necessário já     basta.
HONRA
"Digno é o trabalhador do seu alimento"     (Mateus 10.10) fala também que este sustento é algo honrado. No  mundo     moderno, o sustento obtido no trabalho de evangelização ou de  edificação     espiritual não é, normalmente, considerado como algo digno. Jesus,  porém,     afirma que não há nenhuma vergonha em ser sustentado para pregar o     evangelho. De fato, é uma honra. Paulo citou este provérbio de Jesus  como     Escritura quando falava sobre os dobrados honorários (ou honra) que  deviam     ser dados aos presbíteros que trabalham arduamente (1 Timóteo  5.17-18).     Seu sustento é uma forma de prestar-lhes honra, reconhecendo o valor  da     obra que fazem.
Devo a Josef Pieper uma interessante  consideração     sobre os vocábulos salário e honorário. "O conceito de honorário     afirma que existe uma disparidade entre resultado e recompensa, que a     atividade, como tal, não pode ser paga. O salário, pelo contrário  (em     sentido estrito, pelo qual se distingue de honorário), diz que se  paga o     `trabalho real' ; o salário está em função do resultado e não existe     incomensurabilidade entre ambos. Honorário, além disto, significa  (no     sentido estrito do termo): contribuição para o sustento; salário (no     sentido estrito) significa: o pagamento do serviço prestado, sem  respeito     para as necessidades do sustento."[1]
Tomando esta definição de termos, que vem mais  da     filosofia do que da Bíblia, pensamos que o obreiro sempre recebe  honorário     (no sentido estrito), pois o valor da tarefa de pregar o evangelho  nunca     poderia ser pago, mesmo que todo o dinheiro do mundo fosse  utilizado.
A honra intrínseca ao trabalho de pregar o  evangelho     transparece quando notamos a subordinação dos bens materiais aos  propósitos     espirituais. A coleta para os irmãos pobres de Jerusalém (Romanos     15.22-28) é anunciada como se fosse uma dívida da igreja gentílica  para     com a igreja judaica. Já que os judeus deram aos gentios  participação nas     bênçãos espirituais da salvação, não é pedir demais que os gentios     retribuam materialmente através da oferta. Paulo diz: já que o lado     espiritual é mais importante, os bens materiais podem e devem ser  usados     para agradecer aos originadores humanos destes bens espirituais.
A mesma prioridade do espiritual sobre o  material se vê     na questão: "Se nós vos semeamos coisas espirituais, será muito     recolher-mos de vós bens materiais?" (1 Coríntios 9.11). O menos     importante serve o mais importante: o material serve o espiritual.  Paulo,     neste contexto, lembrou da frase de Jesus: "Digno é o trabalhador do     seu salário" (Lucas 10.7) e disse: "Assim ordenou o Senhor aos     que pregam o evangelho que vivam do evangelho" (1 Coríntios 9.14).  Ser     sustentado para pregar o evangelho é um grande privilégio.
"DE  GRAÇA     RECEBESTES, DE GRAÇA DAI"
O evangelho e a graça divina nunca se vendem  (Mateus     10.8). Apesar do evangelho ser a coisa mais valiosa do mundo e de  haver     manda-mento bíblico para o sustento de obreiros, não se trata de  vender o     evangelho. A pregação deve ser feita com ou sem recursos (Filipenses     4.10-13). Mas, sem dúvida, o sustento do obreiro auxilia a obra e  agrada a     Deus (Filipenses 4.14-19).
O obreiro não deve alimentar ambições de  progresso     financeiro ou material. Tais aspirações marcam o caráter de um homem     corrupto (1 Timóteo 6.5). O obreiro autêntico se contenta com o  necessário     (1 Timóteo 6.6-8). Afinal de contas ele é um homem que prega sobre o  mundo     vindouro; seria ridículo e contraditório se acumulasse bens no mundo     presente. Além disto, o obreiro que corre atrás de dinheiro acaba  por     perder a fé (1 Timóteo 6.9-10).
APLICAÇÃO
O provérbio de Jesus, "Digno é o trabalhador     do seu salário", sugere muita aplicações práticas que já foram     notadas acima. Queremos reforçar os seguintes pontos:
1. Honremos aos obreiros que vivem do  evangelho.     Gálatas 6.6 diz que o aluno deve fazer o seu professor participar  das     coisas boas que ele tem. Isto quer dizer que o aluno "divide" seus     bens com o professor. Não é certo deixar em dificuldades de sustento     aqueles que nos instruem no evangelho. O salário (ou melhor:  honorário) do     obreiro deve servir para honrar aquele que o recebe e não ofendê-lo  (1 Timóteo     5.17-18). Por isto Gálatas 6.7-10 adverte para não zombar de Deus  pela     negligência ao sustento dos professores. Se investimos (semeamos)  apenas     nas coisas pecaminosas, só havermos de colher corrupção. Deve-se  semear     para o que é ligado ao Espírito Santo, e então teremos os resultados  na     vida eterna. Assim, é para fazer o bem a todos, começando com a  família     da fé, e no contexto, os primeiros a serem atendidos são os  professores da     Palavra de Deus.
2. Não aceite extremos. Num extremo está  o     obreiro que não é atendido dignamente pela irmandade. No outro está o     mercenário que muda de igreja em igreja, conforme a melhor oferta de     emprego. Nenhuma destas situações pode ser permitida. Não há nada  errado     em ser bem pago pela igreja. De fato, há casos em que isto precisa  ocorrer     por mandamento (1 Timóteo 5.17-18). O erro é ter isto como método de     vocacionar obreiros ou como alvo de carreira ministerial. Por outro  lado,     sujeitar um obreiro e sua família a uma situação degradante,  recebendo o     menor salário possível, é zombar de Deus e incorrer em grave perigo     espiritual.
3. Não se desculpe. Os obreiros não  devem     ceder à pressão social que qualifica seu trabalho como desnecessário  ou     indigno. Quem acha que o obreiro esforçado e trabalhador é um homem  que     ganha sem fazer nada, provavelmente teria feito o mesmo juízo de  Jesus, se     tivesse convivido com ele. "Digno é o trabalhador do seu  salário/alimento".
4. Um apelo à fé. Pregar o evangelho é o     trabalho mais importante do mundo. A igreja tem o privilégio de  mostrar sua     fé no valor do evangelho sustentando financeiramente aqueles que ela  mesma     reconhece como vocacionados por Deus para realizar esta tarefa. O  obreiro     também deve mostrar sua fé, confiando que Deus vai assegurar-lhe o  necessário,     de um modo ou de outro, para que ele continue a pregar a Palavra de  Deus.
[1]       Josef Pieper, Felicidade e Contemplação - Lazer e Culto  (Glück       und Kontemplation - Muss und Kult, München, Kósel-Verlag, trad.  Helmuth       Alfredo Simon), São Paulo, Editora Herder, 1969; pág. 140.
Reproduzido com a devida autorização.
Via: Hermenêutica

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