Todos temos a difícil tarefa de lidar com amarguras  em relação às atitudes de pessoas
Debaixo dos olhos do Pai Celeste, que tanto nos tem perdoado,  somos motivados a fazer o mesmo com o irmão que pecou contra nós
Um dos maiores desafios que enfrentamos na manutenção de nossa saúde  física, emocional e espiritual reside na forma como lidamos com os  ressentimentos gerados pelos desencontros em nossas relações  interpessoais. Em algum momento de nossa trajetória, todos nós nos  deparamos com a difícil tarefa de lidar com as amarguras em relação às  atitudes e palavras de pessoas que, consciente ou inconscientemente, nos  feriram ou decepcionaram.
No evangelho de Mateus, Jesus inicia uma sessão de ensinamentos com a  seguinte frase: “Se o seu irmão pecar contra você (…)”. Diante do que é  colocado, Pedro levanta uma palpitante questão: “Senhor, quantas vezes  deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim?” Jesus responde  de forma enigmática, dizendo que não deveria fazê-lo somente sete  vezes, mas sim, “setenta vezes sete”, conforme Mateus 18.21-22. Dando  continuidade ao raciocínio, o Mestre conta a história do rei que, diante  da oportunidade de acertar contas com seus servos, optou por cancelar  suas dívidas e deixá-los ir.
É interessante que a primeira preocupação que nos ocorre ao lermos  este trecho é qual seria o significado da frase “setenta vezes sete”.  Isso muitas vezes desvia a nossa atenção de alguns outros elementos bem  mais importantes no texto. Um deles é o fato de que este conjunto de  ensinamentos trata dos desencontros entre “irmãos” e “conservos”. Logo,  nosso questionamento deveria ser identificar quem é esse irmão, a quem  devemos perdoar, ou quem é o conservo cuja dívida devemos cancelar. Eles  certamente não serão pessoas desconhecidas, aquela gente que  simplesmente encontramos na fila do banco ou no ponto de ônibus. Tais  termos referem-se a pessoas que têm compartilhado conosco de uma jornada  mais constante, andando lado a lado numa caminhada de fé e na  construção de uma relação de amizade.
Justamente por isso, somos levados à constatação de três grandes  problemas em nosso relacionamento com aqueles que nos são como irmãos ou  conservos. O primeiro deles é que nossa maior dificuldade não é lidar  com desencontros ocorridos com estranhos. O sofrimento e a crise se  instalam de forma dolorosa e complexa quando o relacionamento com gente  que compartilha de nossas vidas é abalado. O segundo problema diz  respeito ao idealismo que criamos em torno dessas pessoas que nos são  próximas. É uma expectativa irreal pensarmos que gente que compreende o  Evangelho e se rende a Jesus como Salvador e Senhor não está sujeita a  sentimentos de inveja, ciúmes, rancor ou inimizade. Daí nossa decepção  quando o relacionamento com alguém assim é abalado.
O terceiro problema aponta para a forma como trabalhamos esses nossos  relacionamentos. Sempre atribuímos maior valor à última atitude ou  palavra, sem levarmos em conta todas as atitudes e palavras que  construíram a história daquela relação. Em outras palavras, não importam  todos os depósitos que foram feitos ao longo das experiências  vividas; diante do desencontro, agimos como se nosso irmão ou conservo  não tivesse qualquer saldo em nossas vidas. Em qualquer destas  situações, a solução é sempre abrir mão do orgulho, reconhecendo o valor  dessas pessoas para nossas vidas e histórias, redimensionando nossas  expectativas em relação a elas e levando em conta tudo de bom que  construiu nossa história mútua, e que não pode ser desprezado em função  de um erro fortuito.
Mas o que Jesus quis nos ensinar com essa história? Primeiramente,  que nós somos como o servo que não tinha como quitar a dívida com seu  senhor. Deus é o rei que optou por cancelar nossas contas e deixar-nos  ir, salvos e justificados. Logo, existem momentos que somente a  consciência de quem somos diante de Deus pode nos dar a humildade  suficiente para lidarmos com graça com nosso irmão ou conservo ofensor.
Em segundo lugar, a história nos ensina que perdoar não é um  sentimento que brota espontaneamente dentro de nós. O perdão é uma  decisão que tomamos de assumir os prejuízos gerados pelo ofensor,  abrindo mão de toda e qualquer cobrança. Ao perdoar o devedor, aquele  rei não estava dizendo que não existia de fato uma dívida, mas sim, que  ele resolvera abrir mão do que lhe era devido. Ou seja, ele assumiu o  prejuízo e liberou o outro de qualquer cobrança. E, muitas vezes, o  perdão não consiste em um mero ato, mas em um processo – mesmo depois de  tomarmos a decisão de cancelar as contas, somos surpreendidos por  sentimentos que voltam a nos assaltar e nos impulsionar à demanda por  justiça. Diante deles, precisamos renovar nossa decisão pelo perdão.
Agindo dessa forma, nossos desencontros serão movidos na direção de  reencontros.  
Debaixo dos olhos do Pai Celeste, que tanto nos tem  perdoado, somos motivados a fazer o mesmo com o irmão que pecou contra  nós ou com o conservo que nos deve. Movidos pela graça que nos alcançou,  somos capazes de derramá-la sobre aqueles que nos feriram ou  decepcionaram.
por: Ricardo Agreste
Fonte: CH


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