TREMENDO ESCÂNDALO
“Mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (1Co 1.23)
Escândalo (Gr.: skálon: pedra, obstáculo que faz tropeçar) é  um fato ou acontecimento que contraria e ofende sentimentos, crenças,  convenções morais ou religiosas estabelecidas.  Os mais antigos  certamente se lembrarão da falecida atriz Leila Diniz que chocou a  sociedade em 1971 ao aparecer grávida numa praia do Rio de Janeiro  exibindo a barriga de fora. Tal fato pode soar estranho hoje, mas à  época foi considerado chocante. O que dizer então, do astro do cinema  Clark Gable, que em 1933, em uma cena,  tirou a camisa e estava sem  camiseta por baixo? Foi um escândalo.
Igreja é um lugar que possui incontáveis histórias de escândalos. Num  passado recente, muita gente foi considerada anátema e colocada para  fora do círculo da fé por motivos que hoje seriam considerados banais. E  a “escandalização” da igreja produziu (e tem produzido) um exército de  pessoas que muito dificilmente serão recuperadas novamente para o Reino.
Jesus nunca teve problemas com prostitutas, ladrões, ou com  flagrantes de adultério, nem se escandalizou com festas, comidas, beijo,  perfumes… Na verdade, as coisas que o incomodavam sempre estavam  ligadas ao desamor, e ao uso indevido das coisas do Reino.
Ele próprio  veio para ser escândalo e pedra de tropeço para muitos  (1Pe 2.8). O Mestre escandalizou aos religiosos de sua época ao permitir  que seus discípulos comessem sem realizar a ablução – o ritual de lavar  as mãos – que foi motivo de indignação para os judeus. E ainda  aproveitou para trazer um dos grandes ensinamentos do Evangelho:  “não é  o que entra pela boca o que  contamina o homem, mas o que sai da boca,  isto sim, contamina o homem” (Mt 15.11).
Em outra ocasião entabulou uma conversa em público com uma mulher  –  algo impensável para um homem de bem – e pior, com uma samaritana.  Samaritanos eram mal vistos pelos judeus, que os consideravam impuros,  povo de “segunda classe”, e espiritualmente espúrios.  Até mesmo os seus  discípulos ao verem a cena de Jesus sentado junto ao poço  com aquela  mulher ficaram espantados. Sim, Jesus causou escândalo porque quebrou  preconceitos, quebrou uma tradição de cinco séculos de ódio profundo  entre aquela gente. 
Auge da I Guerra Mundial, noite de Natal de 1914, soldados alemães de  um lado nas trincheiras, separados das tropas inglesas por arame  farpado e uma terra de ninguém entre eles. Do lado alemão começou-se a  entoar cânticos natalinos. Os ingleses, ao ouvirem, também cantaram seus  hinos. Logo silenciaram as armas e os soldados alemães saíram das valas  lamacentas e caminharam pelo campo escuro. O mesmo fez o inimigo.  Apertaram-se as mãos, trocaram presentes, e conversaram por horas  durante a fria madrugada, confraternizando-se como se fossem amigos há  anos.  Foi um  gesto impressionante, que Paul McCartney eternizou com a  bela canção Pipes of Peace. Alguns dias depois, quando os generais  souberam do ocorrido, aquilo foi tratado como um escândalo inadmissível  numa guerra. Gestos de amor sempre são chocantes para quem está  mergulhado em conflitos.
Creio que aos olhos de Cristo, o maior de todos os escândalos é a  falta de amor. Tudo o mais é digno de misericórdia e compreensão, pois  onde é “abundante o pecado”, ele entra com o antídoto da “superabundante  graça”. Acolher ao pecador e tratá-lo com dignidade e amor não  significa concordância com o erro, mas uma oportunidade de permitir a  manifestação da graça curadora de Deus sobre a sua vida. O Mestre quer  nos ensinar que o seu Reino não é lugar para melindres,  infantilismos, e  nem pele hipersensível.
Quem ainda é frágil na fé está sempre se escandalizando. Mesmo assim,  Paulo ensina que precisam ser acolhidos; e nos vigiemos para que não  sejamos “tropeço ou escândalo” (Rm 14.13) para eles. Tais pessoas são  chamadas de “frágil na fé”  porque sua consciência ainda não amadurecida  se perde nas pequenas coisas: “não toqueis nisso, não manuseies  aquilo”. Paulo diz que essas coisas em si “não são nada” (1Co 8.4), mas  por causa da consciência deles é melhor não fazer para que  não sejam  escandalizados (Rm 14.21).
Entretanto, é preciso crescer, amadurecer. O próprio Paulo se sentia  “fiscalizado” pelos melindrosos irmãos recém-convertidos do judaísmo que  desejavam cerceá-lo, mas ele confrontou-os brandindo a “liberdade que  temos em Cristo Jesus” (Gl 2.4). Lembro-me quando ainda era um jovem  seminarista, e exibia uma espessa barba no rosto, um irmão disse-me que  aquilo não ficava bem para um pastor (para ele um rosto limpo era mais  importante que possuir um coração limpo). Tive de escolher: ou seguia a  consciência fraca do irmão, que me exigia um visual “limpo”, ou seguia a  liberdade que tenho em Cristo.
Escandalize-se, mas pelos motivos certos. Devemos sim, nos  escandalizar e nos chocar, mas….
- Com as tragédias familiares provocadas pelas drogas,
 
- Com a corrupção dos nossos governantes,
 
- Com o engano dos lobos vorazes disfarçados de pastores,
 
- Com o mercantilismo da fé,
 
- Com a “oração da propina” feita por deputados evangélicos,
 
- Com a perseguição aos cristãos na Índia, Indonésia e na Coréia do Norte,
 
- Com a pobreza e a dor dos que sofrem por causa da injustiça,
 
- Com a desafeição entre pais e filhos e filhos e pais,
 
- Com o desamor existente entre os cristãos.
 
O que te choca? 
Pr. Daniel Rocha
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