UMA  BREVE HISTÓRIA DO PROTESTANTISMO: DE MARTINHO LUTERO A EDIR MACEDO
Por Jones Mendonça
Introdução
Desde que Cristo deixou fisicamente os apóstolos, a  igreja teve que lidar com diversos problemas nos primeiros séculos:  discordância em relação às suas doutrinas, perseguições, disputas pelo  poder, etc. Após a conversão de Constantino ao Cristianismo, em 312, as  perseguições deixaram de ser um problema.  Concílios como o de Nicéia (325), foram organizados  para estabelecer pontos doutrinários que viriam a se tornar dogmas  cristãos aceitos até os dias de hoje. A escolha do bispo de  Roma  para governar a igreja, tendo primazia sobre os demais, deu coesão a  igreja e até mesmo ao decadente império romano, após sua conquista pelos  bárbaros. Com o tempo o poder papal ia crescendo. O Papa Bonifácio  VIII,  num discurso em 1303 comparou os poderes político (representado pelo  rei) e religioso (representado pelo papa) com o sol e a lua [1]. Assim  como a lua recebe sua luz do sol, argumentava Bonifácio, o imperador  também deveria receber seu poder do Papa.  
Na visão  de Bonifácio VIII a submissão de todos (inclusive o rei) ao Sumo  Pontífice seria necessária para a salvação de toda a criatura. 
No final da idade média alguns pontos doutrinários da igreja  ainda não estavam muito claros. A doutrina da salvação da alma, por  exemplo, era uma questão que dividia os teólogos. Por causa disso muitos  pregadores mal intencionados abusavam do povo com a venda de indulgências. O mais famoso  deles chamava-se João Tetzel.
Como a igreja acreditava possuir méritos excedentes de Cristo e dos santos (conhecidos de “tesouros da igreja”), achava que poderia utilizá-los para  conceder indulgências, que era a supressão de uma  penitência pública mediante o pagamento em dinheiro. Na penitência  esperava-se o arrependimento do pecador, que precisava fazer uma reparação ou expiação por causa do  castigo que o pecado acarretava. Segundo Edith Simon, a idéia de pagar  pelo perdão com dinheiro foi derivada do conceito jurídico germânico,  que substituía a punição corporal em decorrência de um crime pelo  pagamento em dinheiro[2].  
Para Marie-Therese Quinson a chamada  “penitência tarifada” teve início no século VII[3].
As  indulgências não eram bem vistas por humanistas como Erasmo de  Roterdã, um intelectual muito à frente do seu tempo. Influenciado por  eruditos como Erasmo, por reflexões pessoais de textos das Escrituras e  por experiências paroquiais com fiéis que buscavam na penitência uma  maneira de escapar do inferno, um proeminente frade Agostiniano chamado Martinho Lutero se impôs contra a  venda de indulgências. No dia 31 de  outubro de 1517 Lutero divulgou 95 teses que criticavam  várias práticas que considerava enganosas no cristianismo popular. Estas  teses foram o estopim para a Reforma Protestante. Após ler as  teses de Lutero, o frade dominicano João Tetzel, exclamou: “Dentro de três semanas, farei esse herege ser lançado ao fogo”[4].  O máximo que conseguiu foi queimar suas teses.
 Ao contrário do que muita gente pensa Lutero não quis dividir a  igreja, mas reformá-la por dentro. Quando lemos suas famosas 95 teses,  percebemos que imaginava que seriam acolhidas pelo Papa. Um outro erro  comum é afirmar que Lutero pregou suas 95 teses no castelo de Wittenberg, quando na verdade não há  provas seguras a respeito desse episódio. Segundo o historiador Martin Deher:
“Em 31 de outubro de 1517, Martim Luder enviou aos bispos aos  quais devia obediência – Jerônimo Schultz de  Bandesburgo, e Alberto, de Magdesburgo. Não há provas  concretas de que as tenha afixado [as 95 teses] na porta da igreja do  castelo de Wittenberg, como anualmente lembra o mundo protestante. As  teses foram enviadas a colegas que a difundiram, dando-lhes divulgação  maior do que a esperada por Lutero.” [5].
Além de Lutero, outros reformadores surgiram logo após a  divulgação das 95 teses: Calvino (francês), Ulrich  Zuínglio (Suíço) e o escocês João Knox. Na Inglaterra  surgia a igreja anglicana, formada a partir do rompimento de Henrique  VIII  com a igreja de Roma.
O protestantismo se refere a  todos os movimentos surgidos a partir das idéias da reforma, tais como o  calvinismo, o anglicanismo e o luteranismo. O lureranismo se refere  especificamente aos que adotaram a ortodoxia de Lutero. Houve muitas  divergências entre os reformadores. No que diz respeito à ceia, por  exemplo, Lutero e Zuínglio entraram em sério desacordo. Após uma  tentativa de desfazer as diferenças, Lutero teria se recusado a fazer as  pazes com o reformador suíço dizendo: “Não consentirei que o  demônio me ensine coisa alguma em minha igreja”[6].
Da igreja anglicana surgiu um movimento chamado puritanismo, que pregava uma  maior simplicidade do culto e dava maior valor à regeneração pessoal.  Do movimento puritano e de grupos separatistas ingleses surgiram  igrejas como a batista (no ano de 1606,  em Gainsborough, Inglaterra) e a metodista (surgida de forma  organizada em Bristol, em 1739).
Muitos vêem no metodismo a origem das igrejas pentecostais  (1901), que enfatizam o recebimento de uma  “segunda bênção”, o batismo com o Espírito Santo, cuja evidência é  o falar em “línguas estranhas”[7]. O movimento  pentecostal é conhecido como “segunda onda”. Outra  característica do pentecostalismo é o milenarismo, que prega o  retorno visível de Cristo a terra, governando os homens por um período  literal de mil anos. No Brasil a maior e mais conhecida igreja  pentecostal é a Assembléia de Deus.
O neopentecostalismo surge dentro do pentecostalismo e tem  como características a ênfase na cura divina, na prosperidade  material e nos rituais de exorcismo. Alguns  estudiosos modernos se  negam a ver o neopentecostalismo como tendo  alguma relação com o pentecostalismo, denominando-o como  pós-pentecostalismo[8]. Entre os neopentecostais é comum a vinculação  entre o pagamento do dízimo e o recebimento  de bênçãos. Nas palavras de Edir Macedo, por  exemplo: 
“[o dízimo] É um compromisso que revela a fé prática. A de que Deus fica obrigado (grifo nosso) a esse compromisso com a  pessoa que deu o dízimo...”[9].
Dentre as igrejas neopentecostais mais conhecidas estão a Universal  do Reino de Deus (Rio, 1977), a Igreja Internacional da Graça de  Deus (Rio,  1980), a Comunidade Sara Nossa Terra (Goiás, 1976) e a  Igreja Renascer em cristo (São Paulo, 1986).
Dentre todas as igrejas  neopentecostais a mais polêmica e criticada é sem dúvida a Igreja Universal do Reino de Deus. O  sociólogo Ricardo  Mariano expõe os  principais motivos dessas críticas:
“exposição constrangedora dos fiéis nos rituais de  exorcismo, [...] invocar os deuses dos cultos afro-brasileiros,  insistentes e nada recatadas pedidos de oferta, emprego do ritual da  arruda, sal grosso e água fluidificada”[10].
Após cerca de dois mil anos, o cristianismo ainda  sobrevive, apesar de cada vez mais fragmentado. Um outro problema são os  escândalos envolvendo líderes de igrejas cristãs, divulgados  constantemente pela mídia. O último senso do IBGE, realizado no ano  2000, mostrou que o número dos “sem igreja”, ou seja, de pessoas que  estão deixando de freqüentar regularmente uma igreja tem crescido  vertiginosamente. São pessoas que querem se relacionar com Deus, mas que  não conseguem vê-lo nas instituições religiosas.  
Diante desse quadro  torna-se necessária uma reflexão feita a partir da própria história da  igreja cristã, através da análise dos erros e acertos cometidos ao longo  desses dois milênios. Criticar a igreja sem apresentar soluções não  resolve o problema. Por outro lado, dizer que devemos nos calar diante  dos escândalos envolvendo líderes religiosos é desconhecer o profetismo  do Antigo Israel, que denunciava a plenos pulmões a injustiça, o roubo, a  opressão e o luxo conquistado por reis e sacerdotes às custas dos  pobres (Os 4,4; 5,1; Am 2,7; 4,1). É também desconhecer os elementos  mais profundos da pregação de Jesus, fundamentados na convicção de que o  Reino de Deus se opõe ao Reino da Injustiça. Uma igreja saudável se faz  com diálogo, reflexão, oração e amor à obra de Deus.
 
Notas:
[1]  GRINGS, D. Dadeus. História dialética do cristianismo. Porto Alegre:  EDIPUCRS, 1994, p. 146.
[2] SIMON, Edith. A  reforma. Rio de Janeiro: José  Olympio, 1971, p.35. 
[3] QUINSON, Marie-Therese. Dicionário  cultural do cristianismo. São Paulo: Loyola, 1999, p. 160.
[4] SIMON, Edith. A  reforma. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p.40.
[5] DEHER, Martin. A  crise e a renovação da igreja no período da reforma. São Leopoldo:  Sinodal, 1996, p. 26 (Coleção História da Igreja; v.3).
[6] SIMON, Edith. A  reforma. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p.58. 
[7] OLIVEIRA, Raimundo F. de. A Doutrina  Pentecostal Hoje. Rio de  Janeiro: CPAD, p.34.
[8] Siepierski, Paulo. 1997. Pós-pentecostalismo e Política no  Brasil, Estudos Teológicos, ano 37, no. 1
[9] LEMOS, Christina; TAVOLARO, Douglas. O bispo: A História Revelada  de Edir Macedo. Larousse, 2007. p.166.
[10] MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo  pentecostalismo no Brasil, 2005, p. 38.
 
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