sexta-feira, abril 02, 2010

Uma vida bonita

Uma vida bonita

por: Tais Machado

O que é uma vida bonita para você? Lendo o jornal, me deparei com a entrevista que Xinran Xue, 52 anos, a escritora chinesa mais crítica da política de seu país. Ela comentava: “De acordo com um relatório das Nações Unidas de 2002, cinco países tinham índices muito altos de suicídio, entre eles a China, onde é mais frequente entre as mulheres. Pelas minhas pesquisas isso não surpreende, porque nos anos 80 a maioria das chinesas não sabia a  diferença entre a vida na cidade e a vida no campo. Quando migravam para o perímetro urbano nos anos 90, acordavam e passavam a sentir o choque cultural. Em uma das histórias do meu livro, uma mulher trabalhava em um pequeno restaurante. Sempre que o restaurante fazia uma festa de aniversário para uma menina, ela tentava se matar. Quando a entrevistei, essa mulher me perguntou: ‘Por que as meninas da cidade podem ter uma vida bonita, como os meninos? Por que minha filha não teve vida para viver?’ Ela a tinha matado e isso se tornou insuportável”.

Penso que a beleza da vida se compõe, entre outras coisas, na arte de se inquietar, de inconformar-se com uma vida sem dignidade. E a Bíblia, o evangelho de Cristo, a encarnação do Filho, nos ensinam muito a esse respeito.

A pergunta, então, seria: Que evangelho e/ou qual o alcance dele em nossos dias, já que a realidade da morte ainda parece predominar diante da vida? Qual nossa compreensão de Cristo e seus ensinos se nossa prática pouco interfere nos padrões injustos, sufocantes e promotores de morte que nos rodeiam? O quanto sequer atentamos para as notícias do cotidiano a ponto de nos levar a novos e frutíferos movimentos a favor da vida? Como diz Gustavo Gutiérrez: “A pobreza e suas sequelas são o grande desafio de nosso tempo. Pobreza que, em última instância, significa morte prematura e injusta, destruidora de pessoas, famílias e nações”. A radicalidade do evangelho nos faz repensar a beleza da vida.

E hoje, o que seria a vida bonita de uma mulher? Quanto nossa teologia abarca seriamente tal questão? Os conceitos têm mudado? Há interesse em se estudar e abrir espaços para tais temas?

Ao ler a escritora espanhola Rosa Montero, narrando o contexto de quase 100 anos atrás, me deparei com o fato que se mudarmos alguns poucos detalhes, poderia valer para a descrição de nossos dias atuais. Confiram: “O mundo era um lugar vertiginoso; a revolução tecnológica mudava a face da Terra como um vendaval de fogo. Em meio a toda essa mudança aparecera um novo tipo de mulher, a jovem ‘emancipada’, ‘liberada’, duas palavras da moda. Acabaram-se os corseletes, as anáguas até os tornozelos, os enchimentos; as moças cortavam o cabelo à la garçonne, exibiam as pernas, eram fortes e atléticas, jogavam tênis, dirigiam carros conversíveis, pilotavam perigosos teco-tecos. Eram os febris e maravilhosos anos 1920, os crispados e intensos anos 1930, tempos de renovação nos quais a sociedade pensava-se a si mesma, buscando novas formas de ser”.

As novas formas de ser buscadas mudaram efetivamente o quê? Remete-me à canção do Renato Russo: “Mudaram-se as estações, nada mudou...”. O que o filósofo francês Gilles Lipovetsky dizia em 1997 parece ainda, 13 anos mais tarde, uma realidade próxima: “As pressões igualitárias não porão fim às codificações sociais, aos estereótipos e às associações imaginárias e referentes à diferença dos sexos”. A profecia se cumpriu.

Até aonde permitimos que o evangelho nos transforme? A coerência pode contribuir para a beleza quando pensamos em missão. Permitamos que as perturbações cheguem avassaladoras e que as mudanças aconteçam a partir de nós. 
FOnte: Novos Diálogos

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