Os Perigos de Hoje – Lloyd-Jones
Na época em que Constantino introduziu o Império Romano na Igreja Cristã, por volta de 325 A.D., pode-se dizer que o cristianismo se helenizara. Era muito difícil reconhecê-lo como a mesma coisa que tinha começado no primeiro século, a Igreja do Novo Testamento. Tornara-se helenizado, tão permeado da influência da filosofia grega, que quase viera a ser o oposto do que era originariamente.
Pois bem, houve algumas pessoas que viram claramente esse perigo. Houve um grande homem na Igreja Cristã, por volta do ano 200 A.D., pouco antes, pouco depois, o homem chamado Tertuliano. Ele focalizou esse problema, esse perigo, colocando o que se tornou uma interrogação muito famosa. Foi esta: que é que Atenas tem a ver com Jerusalém? Que é que a academia tem a ver com a Igreja? Essa é a grande questão: que é que Atenas, o centro e o lar da filosofia, tem a ver com Jerusalém, o lar da Igreja? Que é que a academia e o pórtico, lugares onde os filósofos ensinavam, têm a ver com a Igreja Cristã? Se a Igreja daqueles dias tão-somente houvesse prestado atenção a essa pergunta! Mas, e nós? Estaríamos prestando atenção a ela hoje? O que está acontecendo hoje, como o vejo, é que "Atenas" está de volta, adentrando o movimento evangélico, a academia está vindo de volta para dentro da Igreja e das organizações cristãs. É sempre uma das coisas mais perigosas que podem acontecer, se não, na verdade, a mais perigosa de todas.
Por que isso? Por uma coisa, indica um espírito errôneo. Indica um espírito de temor. Por que há de haver essa tendência de trazer de volta a filosofia, o intelectualismo e a sabedoria do mundo para dentro da esfera do evangelho? A razão fundamental é que cristãos cultos estão com um pouco de medo de não serem considerados como intelectuais por serem cristãos. Não querem ser olhados de cima, não querem que as pessoas pensem que eles são cristãos simplesmente porque não são intelectuais. Ora, esse é um espírito de temor.
Ou, às vezes, ficam com medo de que se prove que eles estão errados. Eles dizem: se nós tomarmos a Bíblia como a Bíblia é e depois, de repente, um dia a ciência provar que algo que nós negamos é um fato, onde ficaremos ? Eles têm medo de que se prove que estão errados. Esse é, de novo, o espírito de temor.
Em acréscimo ao temor, há o orgulho do intelecto, orgulho do conhecimento. Fiquem de olho hoje na palavra "erudição". Erudição! Corremos grande e real perigo de prestar culto à erudição. Não me entendam mal. Não estou defendendo o obscurantismo; já o descrevi como um dos perigos. Não cabe ao cristão enterrar a cabeça na areia e dizer: contanto que eu tenha a minha fé, não me importa o que os outros pensem ou digam. Deixando de lado outras considerações, você é guardador do seu irmão; você tem um dever para com os outros. Se o homem tem cérebro, deve usá-lo, e se você tem conhecimento, ótimo! Não defendo o obscurantismo, mas digo que corremos o grave risco de cultuar a erudição.
Cruzei com um caso desses nesta mesma semana, num jornal que eu estava lendo. Cito-o porque ilustra muito bem essa tendência. Eu estava lendo um artigo escrito por um homem que estava explicando por que ele não acreditava no nascimento virginal. Ele não só não crê no nascimento virginal; não crê na infalibilidade das Escrituras, e se opõe fortemente à infalibilidade do papa. Mas foi isto que ele de fato disse. Ele estava citando uma afirmação daquele famoso erudito especialista no Novo Testamento, o finado professor T. W. Manson. Agora, o que estou dizendo não tem nada a ver com o professor Manson. Estou certo de que ele seria o primeiro a desdizer o tipo de declaração que eu vou citar. Aí está um homem muito competente, com seus estudos não somente em Oxford, mas também no famoso Union Theological Seminary de Nova Iorque. Ele escreve isto: "Discordar de um crítico tão capaz e culto com Manson é impossível". Você não deve crer na infalibilidade da Bíblia, você não deve crer na infalibilidade do papa, mas deve crer na infalibilidade do finado professor Manson. Por quê? Ah, ele era um erudito! Toda a honra ao finado professor Manson e a muitos outros grandes eruditos, mas nenhum deles é infalível.
E muito grave o que aquele homem escreve. Ele e os que são daquele modo de ver acusam-nos de bibliolatria. Eles dizem que nós fazemos da Bíblia um ídolo, que adoramos um ídolo, e que não se deve adorar ídolos. Concordo plenamente, porém chegou o tempo em que é nosso dever mostrar que a erudição também pode ser transformada em ídolo, e que a tal ponto você pode adorar a erudição que esta o leva a dizer que você não pode e não deve discordar de um homem como esse porque ele é muito competente e muito culto. Essa é a situação que vai se infiltrando entre nós. Estamos tão ansiosos por ser considerados intelectualmente respeitáveis, e com tanto receio de ser acusados de não sermos intelectuais, que corremos o grave perigo de, erroneamente, adorar a erudição, e de incorrer na culpa de orgulho intelectual.
Isso não somente leva a um espírito errado, mas também a ações erradas. Que é que estou querendo dizer? Quero dizer que, no momento em que você começar a pensar segundo essas linhas, logo estará desejando usar grandes nomes e, para empregar uma expressão bíblica, você estará muito pronto a "lançar mão" apressadamente de certas pessoas. Vocês já notaram a tendência que avança entre nós, de recorrer a qualquer homem que sej a proeminente nalguma esfera da vida, que mesmo vagamente insinue que é cristão, e particularmente se ele obteve distinção numa das profissões liberais ou se recebeu altas honras acadêmicas? Se ele faz uma declaração mesmo vagamente cristã, lançamos mão dele e lhe pedimos que presida à próxima reunião pública.
Parece que não nos preocupamos mais se o homem tem realmente a nossa posição evangélica conservadora. Ele é um grande nome - essa parece ser a grande consideração. Essa é uma das coisas às quais essa atitude leva; e isso apesar do fato de que é especificamente proibida nas próprias Escrituras.
Outra coisa a que isso leva é o que sou constrangido a descrever como "mania de graduação". De novo, não sou contra as gradua¬ções acadêmicas; elas têm valor. Não há nada de errado em se terem graus acadêmicos, todavia se vocês vão avaliar um homem como cristão, e a sua eficiência na igreja, por meio dos seus graus acadêmicos, bem, a primeira coisa que vocês terão que fazer é pôr de lado o homem cuja memória estamos honrado aqui esta noite, e muitos outros que eu poderia mencionar. A coisa é esquisita e até mesmo tola, sem levar em conta o contraste que apresenta aos homens incultos e ignorantes de Atos 4:13.
Mais um perigo terrível - e muito sério neste país hoje - é que essa tendência de adorar a erudição está nos levando a uma situação na qual todo o preparo para o ministério é determinado por universidades seculares. Não posso imaginar nada que se encaixe tão diretamente na categoria de combater este combate com armas carnais.
A terceira coisa que isso faz, e esta é a mais grave de todas, é que compromete a verdade. No momento em que você começar a pensar em termos da sabedoria e do conhecimento do mundo, e do entendimento intelectual e da erudição, não será tão cuidadoso como devia ser na tradução das Escrituras. Você estará mais interessado no fato de que os eruditos a fizeram, e que é nova e atualizada, do que na sua exatidão e na sua espiritualidade. Não seriam estes verdadeiros temas vivos entre nós? Qual seria o nosso teste de carbono de uma tradução? E porque ela é nova? Tem que ser boa porque é nova, e porque é resultado da mais recente erudição? É essa a garantia? Estes são alguns dos efeitos e resulta¬dos de se pensar do jeito errado.
Outra coisa que isso faz é que tende a fazer-nos ir além das Escrituras. Em nosso desejo de explicar tudo, em nosso desejo de acomodar-nos aos de fora, fazemos afirmações que vão além das Escrituras; em vez de dizer simples e honestamente, eu não sei; não posso entender tudo, nem explicar tudo; isso é tudo o que eu sei. Hoje há uma tendência de se tentar explicar coisas que não se pode explicar.
Outro perigo mais é o de fazer exagerada concessão ao conhecimento moderno e às teorias e especulações modernas, conceden¬do tanto que finalmente se acaba contradizendo algumas das doutrinas vitais da Bíblia e da fé cristã. Estou pensando em coisas como fazer concessões demais com relação aos primeiros capítulos de Gênesis, concessões demais à teoria da evolução. Por que é que eu digo que isso é perigoso? Porque envolve toda a doutrina do homem, e a doutrina da Queda. Essa, por sua vez, envolve a doutrina da redenção e da salvação e, na verdade, da Pessoa do Senhor Jesus Cristo. Estes são alguns dos terríveis perigos.
Outro perigo é o de encontrar explicação para tudo. Houve um notável exemplo disso há não muito tempo, quando um homem publicou um livro intitulado, The Bible Is True (A Bíblia É Verdadeira). Foi um dos livros mais vendidos. Por quê? Porque no livro esse homem estava dizendo que agora podia crer em muita coisa da Bíblia em que antes ele não podia crer. Agora ele podia crer nalgumas coisas relatadas como milagres. Um exemplo foi o incidente no qual Moisés feriu a rocha e jorrou água. Disse ele que sempre tivera dificuldade com isso, mas agora podia acreditar. Por quê? Bem, porque na última guerra um soldado britânico, na Palestina, estava usando uma picareta de duas pontas e, acidentalmente, ao levantar a picareta para dar com ela no solo, bateu numa rocha que estava atrás dele, e escorreu um pouco de água. Portanto, vocês vêem, a Bíblia é verdadeira; agora se pode aceitar os milagres! Lembro-me de que uma vez um homem me contou, com grande entusiasmo, que o seu pastor o agradara tremendamente na noite do domingo anterior porque agora ele acreditava na destruição de Sodoma e Gomorra como a Bíblia a ensina. O pastor tinha lido num artigo que os geólogos tinham descoberto que, geologicamente, havia certas substâncias no solo daquela parte do mundo, o que agora capacitava a gente a entender como sucedera a destruição daquelas cidades. O que essas pessoas não compreendem é que, com a explicação dos milagres, você elimina os milagres. Você parece muito culto, parece capaz de ser científico e, ao mesmo tempo, crê em milagres, entretanto, o que você fez realmente foi acabar com os milagres. É exatamente como o apóstolo diz com relação à pregação da cruz. Se você procura explicar a cruz em termos de algo belo, ou de uma maravilhosa ilustração do pacifismo, você, com a sua filosofia, tornou "vã" a cruz de Cristo.
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