quinta-feira, junho 10, 2010

Benditos supérfluos.


Benditos supérfluos.


Tempo não é dinheiro. A vida não pode consistir apenas de coisas essenciais. Para existirmos, é preciso também aprender a valorizar algumas extravagâncias, geralmente consideradas desnecessárias.

A cultura ocidental está se tornando mais triste e mais maluca porque vive debaixo do imperativo da eficiência. Hoje, qualquer atividade não produtiva é logo descartada em nome da excelência máxima. Ninguém quer perder tempo. Porém, mesmo quando os avanços tecnológicos prometem uma vida mais fácil, com o passar do tempo, todo mundo parece com a cara mais cansada; padecendo de estresse.

Essa exaustão latente adoece. As pessoas se deprimem e ansiosas, correm, correm, sem saberem ao certo aonde querem chegar; ávidos por não "perderem tempo" mulheres e homens vivem preocupados em listar suas prioridade para alcançarem um suposto grau de eficácia. Assim, poetas, músicos, pintores, pensadores e místicos ficam relegados às margens da sociedade, como vagabundos improdutivos.

Pior entre os evangélicos. Já me deparei com vários líderes que fizeram muito mal à suas famílias. Homens e mulheres que, no afã de ganharem o mundo, perderam suas almas. Tornaram-se burocratas da fé, empresários eclesiásticos e profissionais da religião.

Eficientíssimos em suas funções, mas empobrecidos em sua humanidade. Esses, infelizmente, capitularam às exigências do mundo da produtividade. Mal discerniram as forças do mal que lhe assediava. Alguns, chegaram a construir mega denominações, mas perderam a simplicidade do primeiro amor; tornaram-se bem sucedidos, contudo, provavelmente terminarão seus dias sem amigos verdadeiros.

A vida não deve concentrar-se em operosidade; não se pode comparar os seres humanos a abelhas. O ócio, o lazer, a descontração fazem parte igualmente do viver e não são meros intervalos de descanso que só preparam a próxima tarefa.

Os supérfluos, maravilhosos, devem ser apreciados como um fim em si mesmos; e são muitos:

Escutar o canto da cigarra no verão;
dar de presente um perfume caríssimo a quem a gente ama;
preparar uma linda festa de casamento;
dormir à tarde no feriado;
ler histórias de fadas para o filho na hora de dormir;
ir a pé comprar pão na padaria;
pescar numa beira de rio;
sentar num barranco e esperar o pôr-do-sol;
ouvir música instrumental sem letra e deixar a imaginação voar;
dormir cedo;
estudar ornitologia;
ler biografias;
aprender outro idioma;
matricular-se num curso que ensina a escrever poemas;
soltar pipa;
ler um capítulo do livro de Provérbios por dia, sincronizando com o calendário;
deixar tudo o que tem para se feito, navegar até o outro lado do lago e descansar;
transformar seis grandes potes d'água em vinho;
visitar um asilo de idosos só para conversar com eles;
ler romances;
praticar qualquer esporte;
gastar várias horas tagarelando numa refeição;
montar quebra cabeça com os netos;
aprender a jogar xadrez;
contar anedotas rodeado de amigos;
assistir uma cantata infantil;
ouvir as histórias de um pastor velhinho;
caminhar no parque;
lembrar de músicas antiqüíssimas ao lado de amigos numa noite enluarada;
visitar museus;
escalar alguma montanha só para contemplar a paisagem;
pedalar bicicleta junto com os netos;
ensinar uma criança a assobiar;
fazer cafuné;
meditar;
comprar terno novo para uma data especial;
presentear flores;
escrever cartão para o amigo num dia sem importância;
tomar café;
comprar o songbook do Chico Buarque;
ler romance;
assistir filme de amor;
estudar música clássica para aprender a gostar de Bach;
ajudar a vovó a cuidar do jardim.

Graças a Deus por Davi, Picasso, Rembrandt, Machado de Assis, Clarice Lispector, Tom Jobim e tantos outros que "perderam tempo" com supérfluos; eles não deixaram nossa vida ficar árida. Temo que a fé cristã deixe de ser um centro de vida abundante caso continuemos insistindo em ser sempre eficazes "para a glória de Deus".

O cristianismo brasileiro precisa pedir que Deus levante urgentemente mais poetas, mais artistas, mais sonhadores, gente que o mundo poderia até considerar desocupada, mas capaz de nos inspirar a sonhar com um mundo mais bonito, mais pleno de ideais e mais próximo do reino de Deus; que não se resume a comida e bebida, mas, é, entre outras coisas, alegria.


Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim

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