Dez mandamentos ou dez sugestões?
“Se Deus fosse liberal”, alguém escreveu, “não teríamos os dez mandamentos – teríamos as dez sugestões”. Curiosamente, a citação é utilizada tanto pelos críticos quanto pelos defensores do Cristianismo como base para argumentos diversos. Ao utilizar a frase para suas respectivas finalidades, ambos os grupos acabam se enganando.
O argumento dos críticos é que o Cristianismo (e presumivelmente o Judaísmo) é uma religião restritiva, incompatível com a idéia moderna de liberdade como escolha ilimitada e irrestrita. “A verdade é, claramente,” Chesterton escreveu com muito mais inspiração e classe, “que a rigidez dos Dez Mandamentos é uma evidência, não da obscuridade e estreiteza da religião, mas, ao contrário, da sua liberalidade e humanidade. É mais econômico afirmar as coisas proibidas do que as permitidas: precisamente porque muitas coisas são permitidas e apenas poucas proibidas.”
Que os Dez Mandamentos são sobre liberdade é evidenciado não apenas pela lógica, mas também por seu contexto na narrativa bíblica. Os mandamentos foram dados como um presente para a jovem nação de Israel pela libertação da escravidão, e são precedidos na narrativa pela primeira canção de redenção documentada.
Aqui, como em outros lugares da Escritura, os mandamentos éticos são baseados nos gestos redentores de Deus. Como os teólogos gostam de dizer, o indicativo precede o imperativo. Ou, de forma mais simples ainda: nós amamos Deus, porque Ele nos amou primeiro.
Colocar os Dez Mandamentos no seu contexto histórico, no entanto, não só derruba o argumento dos críticos. Também nos protege do erro ainda mais grotesco de empregar os mandamentos a serviço da mera moralidade.
Defensores do Decálogo muitas vezes não compreendem que os mandamentos de Deus são apenas parte da auto-revelação progressiva do Pai, apontando para o padrão mais elevado do novo pacto: "Sede Perfeitos!". Assim como os impossíveis e santos preceitos de Jesus, a Lei Mosaica não nos mostra apenas como sermos bons, mas também que não podemos ser bons. Portanto, trata-se muito mais de indicar a necessidade de um salvador do que de nos fornecer um modelo de moral e santidade.
A ampliação da Lei no novo pacto é bem ilustrada pelo assassino arrependido do livro O Grande Abismo de C.S. Lewis. O assassino - em um encontro com um fariseu que está satisfeito consigo mesmo, mas não com sua recompensa eterna - tem a tarefa de explicar a sutileza do pecado. “Assassinar o velho Joaquim não foi a pior coisa que eu fiz”, ele admite. “Isso foi obra de um momento e eu estava meio louco naquela hora. Mas eu matei em meu coração, deliberadamente, durante anos”. O fariseu, apoiado em suas próprias virtudes, alega merecer os seus direitos. “Não é tão mau assim”, o assassino responde. “Não tenho direitos. Caso contrário não estaria aqui. Você também não irá obter os seus. Vai ganhar algo muito melhor.”
Ou seja; na verdade, é do conhecimento da nossa condição miserável e da nossa necessidade que nossa apreciação da graça se aprofunda. Por isso, podemos afirmar que nossa salvação está na admissão sincera de total perdição ante os olhos de Deus e, por tal admissão, nós recebemos a Graça todos os dias.
Bem-aventurados os pobres de espírito!
Fonte: Hiperatividade Cerebral
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