Preto, branco e cinza (2)
por Marcos Soares
Amigos, começo minha reflexão pela teologia. Vejo com preocupação que alguns notáveis ensinadores andam tentando responder a perguntas que Deus mesmo nunca se preocupou em responder. Com medo de ficarem “de mal” com os inquiridores deste século, consideram-se na obrigação (que, rigorosamente, nunca foi sua) de tentar explicar o problema do mal, as mazelas da humanidade, as catástrofes naturais cada vez mais freqüentes, as injustiças, as desigualdades. Diriam alguns que estão bem intencionados, porque, na essência, pode ser que estejam preocupados com a “má fama” que Deus anda recebendo em função de tudo isso. Acham que se eles não disserem nada a respeito, as pessoas não vão mais crer em Deus e assim vamos perder gente boa e preparada das nossas fileiras.
Há algumas falácias neste raciocínio.
Primeiro é que a verdade não precisa de defesa. Muito menos a Verdade absoluta. Jesus Cristo nunca perdeu tempo em arrazoar com os céticos do seu tempo (e eram muitos e influentes) a respeito de suas credenciais messiânicas. Ele nunca se envolveu em discussões com o Sinédrio para provar que era Deus. O mais perto que chegou disso foi fazer declarações explícitas, tais como “Abraão viu o meu dia e se alegrou” e “Antes que Abraão existe, EU SOU” (João 8:56-58), mostrando sua eternidade sem entrar em polêmica. Ele não tinha que se preocupar em provar nada a ninguém. A Verdade não precisa ser discutida. Precisa ser crida. Simples? Simples, mas funciona. Os galileus simples que viram Sua glória manifesta em obras e palavras, creram simplesmente. E nunca se arrependeram disso. Tiveram seus momentos de dúvidas, pensaram em recuar depois da Crucificação, mas sua fé e a misericórdia de Deus os trouxeram de volta ao trilho.
Segundo, a própria Bíblia, revelação completa de Deus ao homem, não se preocupa em explicar e definir todos os mistérios da vida. Quem lê o livro de Jó completo, sem pular os capítulos 3 a 41, encontra um homem no limite do desespero, exigindo e cobrando explicações de um Deus em absoluto silêncio. Jó fala todo tipo de bobagem (atenuadas pelo seu estado deplorável, é fato, mas ainda assim bobagens) sobre o que o Senhor estava fazendo com ele, acusa-o de estar errado no Seu julgamento e no seu trato, cobra explicações, chama Deus para brigar. Alguém que teve o cuidado de contar, contabilizou mais de 600 perguntas no livro todo. No final, quando Deus entra em cena, surpreendentemente Ele não responde a nenhuma delas. Não se dá a explicar nem a resolver a equação do problema do mal, do sofrimento, das injustiças, do mérito humano nem de nenhuma das questões que perturbaram Jó durante os dias terríveis pelos quais passou. Ao contrário, Deus simplesmente coloca um DVD do Animal Planet, mostrando cenas incríveis da natureza fantástica, indomável, por vezes misteriosa e inexplicável. Pede a Jó para que este explique ou controle aquelas cenas. E isto é suficiente para Jó. Deus não se explica. É Jó quem se reduz à sua insignificância diante da grandeza de um Deus Todo-Poderoso. E ele não sabia qual seria o fim da sua história. Ainda estava doente, pobre e sem filhos. Ao experimentar Deus pessoalmente, pela primeira vez na sua vida religiosa, os mistérios e perguntas sem respostas ficam de lado. Esta é questão que precisam compreender os meus queridos irmãos metidos a filósofos.
Terceiro, se o homem natural, rebelde e sem Deus, além de voltar as costas para o seu Criador ainda rejeita o seu chamado de amor; se a Cruz de Cristo, Deus feito homem, Sustentador do Universo abrindo mão de sua glória para morrer da forma como morreu; se o único Deus de que se tem notícia que cumpre a pena no lugar do réu; se nada disso sensibiliza o coração de uma pessoa, não será o arrazoado filosófico que vai conseguir esta proeza. Ninguém é mais convincente do que o Espírito Santo. A vã tentativa de defender Deus contra a argumentação da falida sabedoria humana é, na verdade, um vacilo dos que crêem. Evidencia fissuras na estrutura de sua fé. Denuncia uma tentativa de querer andar abraçando Deus com um braço e a sabedoria humana com o outro.
Existem questões na Bíblia que podem ser discutidas. Há pontos que permitem mais de uma interpretação. Alguns, na verdade, chegam a dezenas de possibilidades. São as zonas cinzentas da Hermenêutica. Porém, há outras questões para as quais não cabe discussão.
Uma delas é a questão dos atributos eternos de Deus. No momento em que passo a questionar Deus como Deus, duvidando das características que o tornam DEUS (sua Eternidade, Onisciência, Onipresença, Onipotência, Justiça, Graça, Amor etc), demonstradas nas Escrituras através de Suas palavras e atos e experimentadas na minha vida, no meu relacionamento pessoal com Ele, fico completamente sem referências. Se dantes me intrigava o dilema do mal, esta ausência de absolutos agora me deixa completamente enlouquecido e passo a ter a mesma esperança de um ateu. Portanto, nem tudo é cinza. Há preto e há branco, sim. Há coisas bem definidas que não podem ser questionadas, ainda que não sejam totalmente digeridas pela minha falível, limitada e arrogante mente humana, posto que são a base, o alicerce, a pedra angular da fé.
Para tentar juntar as coisas, tornam-se cada vez mais populares correntes como o chamado teísmo aberto, que explicado em poucas palavras e de forma leiga, advoga que Deus abriu mão da sua capacidade de ver e saber todas as coisas, deixando, assim, de utilizar alguns dos Seus atributos básicos como Onisciência, Onipresença e Onipotência. Surgem linhas de pensamento como o chamado evolucionismo criacionista, e a psicologia cristã. Logo, logo hão de aparecer o ateísmo bíblico e a santidade pagã! As conseqüências dessas uniões impossíveis são uma geração de crentes que já coloca em pé de igualdade o Sermão do Monte e Freud; o Pentateuco e Darwin; as cartas de Paulo e Nietzsche. As pregações mais “descoladas” são aquelas recheadas de referências elogiosas a ateus, apóstatas e rabinos não-convertidos. Não que eles não tenham dito nada de interessante, mas o que incomoda é a tentativa de mostrar (insisto neste ponto) “como somos parecidos; como temos coisas em comum; como não há antagonismo entre o que eles pensam e o que nós pregamos”. Incomoda-me, sobretudo, a mania que alguns tem de chamar a Palavra de Deus inspirada de “pensamento judaico-cristão”. Isto é reduzir a autoridade da palavra a uma mera corrente filosófica. A Bíblia não é o simples retrato de uma cultura, apesar de contê-la também. A Bíblia é a revelação de Deus para o homem, com autoridade de determinar o que está certo e o que está errado, o que O agrada e o que não O agrada.
Tentando ser relevantes, alguns escritores e pregadores da atualidade andam dando vazão aos seus próprios conflitos e dúvidas. Não que eles não possam tê-los. Grandes homens, inclusive com suas histórias registradas nas Escrituras (como o já citado Jó) tiveram suas crises e seus questionamentos. Fazer perguntas pode ser muito saudável. O que é doentio é achar que podemos ter todas as respostas.
Alguns chamam minha postura de “simplicidade”. Pode ser. Afinal, Jesus disse que aqueles que desejam entrar no Reino dos céus devem se tornar como uma criança. Talvez seja porque elas não se preocupam tanto em elaborar raciocínios e sofismas. Quando acham alguma coisa boa, elas querem mais é curtir aquilo ao máximo.
Talvez o que nos falte seja isso mesmo: um pouco menos de sofisticação filosófica e um pouco mais de simplicidade infantil.
Continua
Fonte: irmaos.com
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