Sobre pessoas e porcos.
Ricardo  Gondim  
Era uma vez, uma cidadezinha chamada Gadara que  era muito, mas muito pequena. Gadara ficava na fronteira entre dois  países. Bastava atravessar a rua e do outro lado já se falava uma língua  esquisita e comiam-se outros tipos de alimentos. O trânsito entre as  pessoas nessa fronteira não facilitava só as trocas comerciais, as  relações entre os habitantes tornavam-se crescentemente cordiais; as  crianças dos dois países não cresciam apenas bilíngües, mas  transculturais. 
Um belo dia, Jesus de Nazaré resolveu visitar  esse lugarejo esquecido de todos. Tomou um barco e viajou o dia inteiro  para cruzar o lago que o separava do lugar onde vivia. Logo que aportou  em Gadara, um lunático, possesso de uma legião de bichos-ruins veio ao  seu encontro.
O estado deste anônimo cidadão era deplorável.  Imundo, vivia em cemitérios tenebrosos. Nunca se soube qualquer coisa  sobre seus familiares, seus traumas e feridas da adolescência ou das  suas perversões morais. Como ele se pervertera tanto? Ninguém sabia e  todos se conformavam com a sua decadência.
Espalharam-se  versões cada vez mais alarmantes de sua força descomunal. Algumas vezes  preso, ele ressurgia solto para aterrorizar a meninada que, com  certeza, recontava e aumentava a história do “monstro dos sepulcros”.  À noite ouviam-se seus gritos.
O gadareno queria ser livre; procurava sua vida de volta, mas não conseguia encontrá-la. No desespero de arrancar de dentro da alma tanta degradação, ele desenvolvera manias auto-destrutivas. Pela manhã, era comum vê-lo retalhado por cortes feitos com pedras.
O gadareno queria ser livre; procurava sua vida de volta, mas não conseguia encontrá-la. No desespero de arrancar de dentro da alma tanta degradação, ele desenvolvera manias auto-destrutivas. Pela manhã, era comum vê-lo retalhado por cortes feitos com pedras.
Jesus dialogou com os demônios que o possuíam.  Na curta conversa, desde que deixassem o doido em paz, a legião de  demônios obteve de Cristo permissão para possuír uma vara de porcos que  pastava nas redondezas. Quando os demônios entraram nos porcos, eles se  desesperaram e se precipitaram num abismo. 
Conta-se  que os que cuidavam dos porcos fugiram. Ao narrarem esses fatos na  cidade, o povo foi ver o que havia acontecido. A surpresa foi absoluta.  Todos testemunharam o homem que fora possesso da legião de demônios  assentado, vestido e em perfeito juízo.
A notícia correu e quando os curiosos relataram o que acontecera tanto ao gadareno como aos porcos, o povo da cidade reuniu-se para expulsar Jesus dali. Não teve jeito, o Nazareno viu-se obrigado a retirar-se do território.
A notícia correu e quando os curiosos relataram o que acontecera tanto ao gadareno como aos porcos, o povo da cidade reuniu-se para expulsar Jesus dali. Não teve jeito, o Nazareno viu-se obrigado a retirar-se do território.
Estranho!  Enquanto um ser humano era destruído por forças satânicas, ninguém  tomou nenhuma providência para resgatá-lo. O clube do Rotary não  mobilizou os empresários ricos para ajudarem; padres, pastores e rabinos  aquietaram suas congregações com boas explicações teológicas; os  políticos prometeram ações concretas só para o próximo ano fiscal;  nenhuma ONG se formou para minorar seu sofrimento. O pobre mendigo  continuava preso, acorrentado a forças maiores do que ele. 
No  instante em que se constatou o prejuízo financeiro, porém, tornou-se  necessário que se expulsasse Jesus. Ele ameaçava o equilíbrio econômico  da região: “our life style cannot be theatened”, repetiam. 
Contudo,  antes de partir, Jesus deixou uma lição de moral para aquela comunidade  judaica (proibida desde sua formação de tocar, criar ou comercializar  porcos): “que vergonha, vocês aprenderam a amar porco mais do que amam  uma pessoa!”.
Gadara é metáfora do mundo. As nações continuam  amando porcos mais do que amam mulheres e homens. Lógico que um cavalo  de raça vale mais do que uma criança liberiana. Um ancião palestino não  tem a mesma importância que um poodle texano. Não resta dúvida: as vacas  leiteiras inglesas são protegidas com mais denodo do que as meninas  usadas pelo tráfico internacional da pedofilia. 
Enquanto os  religiosos vociferam seus mais entusiasmados sermões, enquanto os  políticos se revezam em seus debates sobre o futuro da humanidade,  enquanto os banqueiros multiplicam seus lucros, muitos pobres precisam  ser restituídos à vida e terem de volta sua dignidade para poderem  abraçar seus familiares. 
A história continua e Jesus de Nazaré  permanece um estorvo. Enquanto ele considera que uma alma vale mais do  que o mundo inteiro, as nações mantêm essa esquisita predileção pelos  porcos.
Soli Deo Gloria.
Fonte: http://www.ricardogondim.com.br/
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