terça-feira, julho 27, 2010

CARTA ABERTA A CHICO ANYSIO

DEUS? QUE DEUS?
"Mas e então? Que Deus é este que deixa que morra um menino de 18 anos, à espera de começar seu caminho na vida e deixa vivo e solto o animal que o atropelou, o débil mental que faz de um tunel uma pista de corrida e simplesmente arranca da vida um ser bonito, jovem, ansioso por começar a viver, filho de uma mãe maravilhosa, como colega, como amiga e como pessoa? Para onde Deus estava olhando quando isto aconteceu? Para onde ele olha enquanto negras magérrimas juntam areia a um pouco de água suja e dão para seus filhos na esperança de o salvar? Não é Ele que tudo sabe e que tudo vê? E como não vê o eterno inferno em que vivem judeus e palestinos por causa de dois palmos de terra? Deus é onipresente? E quando o Bruno matou ou mandou matar a mulher que lhe dera um filho e dele desejava o dinheiro suficiente para a criança sobrevier? Deus é onisciente? Então ele sabia que o Rafael teria que morrer naquele dia, naquela hora e daquele modo. Sendo assim, meus amigos eu deixo à disposição de todos a minha parte de Deus porque se Ele tem e é tantos “onis” e o mundo está como está, eu prefiro ficar sozinho."
 
                                                                                                                                      Chico Anysio
 
A vida e a morte são dois lados da mesma moeda. São irmãs siamesas que se unem de modo sucessivo; primeiro a vida, depois a morte.
Não haveria devoção a Deus se o ser humano fosse conservado e fadado a morrer apenas na velhice – um mero infarto. Por que haveria descrença justificada na morte prematura de um ser vivo?
Fato é que por crermos que Deus é uma espécie de garçom galáctico, ele haveria de nos poupar das fatalidades cruéis e nos abastar conforme o desejo de cada um.
Esse Deus não existe e se existisse, ele seria o responsável pela morte do Rafael, filho da Cissa Guimarães.
O Deus que você deixou de crer e o Deus que a grande massa crê são uma, a extremidade da outra, e está abaixo da linha do horizonte daquilo que de fato é e existe.
 
A percepção de que há um Deus não é apenas fator de necessidade, é uma identidade do Homem e o que apenas vai se esvaindo pela história no rolo compressor da evolução do pensamento, são as teorias a cerca dele.
Hoje, você desiste e abandona suas suspeições de que Ele existe, porém, saiba: ninguém crê ou descrê nele por desistência ou esforço intelectual.
Se suas agruras lhe fizeram perder a fé, permita-me dizer que você perdeu apenas o “apetite” de sustentar suas convicções de crenças.
 
A fé não é convicção de nada que não seja um eco daquilo que ressoa dentro do coração humano.
Um grande e bom coração que ressoa amor, não pode confessar incredulidade. Um grande e bom coração é encontrado por Deus mesmo em face de decepção, ignorância e ceticismo.
Ainda que a boca humana confesse algo, nem sempre o que dizemos, de fato, é o que cremos.
Há quem diz, publicamente, “sim” sobre Deus, porém o coração diz “não”. Há quem diz, publicamente, “não” sobre Deus, porém o coração diz “sim”.
 
Outra coisa, Deus não tem respostas. Deus é a própria resposta. A resposta dele é que ele reconciliou o Homem ao seu seio e debaixo de sua dextra, tudo nasce, tudo cresce, tudo morre e em morrendo, tudo volta a ter vida nele e para sempre.
 
Somos e sempre seremos filhos dele com toda a nossa revolta contra Ele e com todo o nosso entulho de informação que especulamos a respeito dele.
Hoje, você proclama independência intelectual a respeito de Deus, porém somente uma coisa validaria e isso não tem a ver com suas convicções, tem a ver com quem você é, como você viveu e como você se relaciona dentro deste elo de vida humana.
Bem-aventurado é aquele que consegue reverberar em convicção aquilo que ele não creu com palavras, mas com jeito de ser e viver.
 
Nós somos tão pueris que não cabe a nós saber quem somos através do que cremos cabe a Deus saber e julgar o que de fato cremos pelo o que de fato somos.
O amor de Deus não tapa buraco existencial e não impede de que tragédias aconteçam. O amor de Deus é o chão que acolhe todo o suor e sangue e faz brotar esperança, amparo e unidade com o seu próprio semelhante.
 
Na angústia, Deus é “Deus em você e em mim” ao que sofre, ao que geme. Choremos e cuidemos uns dos outros.
Chico Anysio, esta carta é expressão de minha admiração a você e consciência de que quem sabe melhor de nós, é Deus.


2 comentários:

Unknown disse...
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Meire disse...

salathiel,
Quanta genorisidade!