quarta-feira, julho 14, 2010

UM CRISTO CONVENIENTE

Pedem a ele, cantando, que mexa com a estrutura pessoal do novo convertido, que quer amar somente a ele, mas raramente lhe pedem que nos ensine a mexer com as estruturas de um mundo que não aceita repartir nem incluir quem não é do clube dos eleitos e privilegiados. 

UM CRISTO CONVENIENTE
Um tanto quanto entristecido, ao ver alguns programas de televisão e ouvir quadros e programas de rádio nos quais Jesus era anunciado de maneira categórica e cabal por pregadores com claros sinais de pouco estudo da fé, afirmou o professor de cristologia: - Eles estão enfatuados de Jesus. O perigo é que acabem enfastiados tão depressa como ficaram enfatuados. Eles parecem saber mais sobre Jesus do que o próprio Jesus.

Pensei comigo. O velho mestre está certo! Gastou 50 anos estudando teologia, especialmente teologia dogmática e mais de vinte a estudar exegese e cristologia. Nunca lhe foi pedida qualquer opinião, nem por emissoras de rádio nem de televisão. Mas meninos e meninas, padres e pastores novos de novas igrejas em deslumbrados êxtases, entusiasmados com um Jesus que não estudaram, podem falar horas e horas e cantar dezenas de canções com textos nunca revistos sobre Jesus. É como pedir palestras sobre cardiologia a quem apenas aprendeu a medir pressão e a passar pomada nas feridas...

Pensei mais. Todo cristão tem o direito de crer em Jesus e entusiasmar-se com ele. Jesus realmente encanta e entusiasma. Mas, se for o Jesus dos Evangelhos e não o da imaginação do pregador, também obriga a pensar uma sociedade mais justa e a ser solidário. O direito que um pregador entusiasmado e em êxtase não tem é o de afirmar perante milhões de ouvintes e telespectadores, coisas que não estão na Bíblia, nem fazem parte da Tradição da Igreja.

Pensei ainda no livro de Jürgen Moltmann- “O Caminho de Jesus Cristo- Cristologia em Dimensões Messiânicas”. O autor e, com ele, inúmeros outros por ele citados, deixam claro que a subjetivização da mensagem de Jesus tornou-se uma espécie de grife. Criou um Cristo que só diz o que o pregador deseja que ele diga e de cuja doutrina se tira apenas o que traz proveito ao grupo que o anuncia. O Cristo que salvou um indivíduo não se transforma no cristo que ceio salvar milhões e sacudir as estruturas do mundo. Pedem a ele, cantando, que mexa com a estrutura pessoal do novo convertido, que quer amar somente a ele, mas raramente lhe pedem que nos ensine a mexer com as estruturas de um mundo que não aceita repartir nem incluir quem não é do clube dos eleitos e privilegiados. Andamos esquecidos de pedir a ele que nos ensine a amar os outros, especialmente quem não concorda conosco e até nos questiona e silencia.

Ocultam ou silenciam o Cristo que certamente combateria a proliferação das armas nucleares, o empobrecimento das nações, a supremacia das potências econômicas e atômicas e a corrida às armas de conquista e de dissuasão, corrida que desvia trilhões de dólares, rublos, euros, ienes e reais para a produção de instrumentos de defesa ou de morte, enquanto o terrorismo, a fome e o desperdício grassam pelos cinco continentes.

Desse Jesus não se ouve falar com tanta freqüência: o reivindicador, o que manda vestir a camisa dos pequenos e oprimidos. Do Jesus que salva o indivíduo e lhe dá paz interior e certeza de que será salvo se orar todos os dias e for bonzinho para com o seu vizinho, ouve-se falar o tempo todo. Canoniza-se o sujeito e o seu projeto pessoal e subjetivo e ignora-se o projeto de justiça e paz que Jesus anunciou a vida inteira. Trocam o “ai de vós” pelo “bem-aventurados sois vós”.

O velho professor de cristologia lembrava que o Jesus conveniente tomou conta das pregações e os templos viraram lojas de arrecadação e de conveniência... Pegue o que lhe interessa e pague ao sair... Foi embora ajustando o boné e eu fiquei pensando em tudo o que ouvira. De fato, com esse discurso pouquíssimos programas de rádio e de televisão o convidariam. Mas isso não torna os convidados sorridentes e suaves mais certos do que ele. Paulo já previa isso na 2 Tm 4,1-5. O leitor faria bem se as relesse!

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