Dina Kraus Ehrenreich sobreviveu ao nazismo. Com sua coragem, conseguiu manter vivo o judaísmo em condições inimagináveis.
“Meu querido pai! Hoje de manhã recebi o presente mais lindo de minha vida: um telegrama da Cruz Vermelha dizendo que estás vivo! Nunca fiquei tão contente, na minha vida, e jamais sentirei esta emoção novamente. Acabo de te mandar um telegrama. Quando voltaste à Checoslováquia? Onde estiveste? Como vai tua saúde? Ah, pai… Estou-te a escrever, meu querido pai, do meu novo emprego… Cuido de 29 lindas crianças, a maioria da Polónia, de idade entre oito e dezoito anos. De manhã, faço a arrumação; de tarde, novamente lecciono hebraico, história judaica e sueco – o pouco que sei, que é o mínimo”.
Dina Kraus Ehrenreich escreveu essa carta para o seu pai quando estava em um hospital na Suécia, no qual se recuperava, apenas quatro meses após a sua própria libertação. Ela viera quase morta do campo de concentração de Bergen-Belsen, ao norte da Alemanha. Esta carta expressa a felicidade por ter encontrado o pai vivo, depois do pesadelo do Holocausto, e também o prazer e o orgulho de retomar sua profissão de professora. A dedicação em ensinar e praticar o judaísmo e o desejo de compartilhá-lo e transmiti-lo, mesmo sob as condições brutais que prevaleceram durante o Holocausto, certamente ajudaram Dina Kraus e muitos outros judeus praticantes a permanecer vivos durante tamanha provação.
Nascida em 1920, em Ungvar, cidade nas montanhas dos Cárpatos, na época Checoslováquia, Dina cresceu no seio de uma família ortodoxa. Destacou-se nos estudos judaicos e formou-se no Beth Jacob Hebrew Seminary, instituição na qual fez estágio para professora. Após se formar, leccionou em escolas judaicas, deu aulas particulares e, quando as restrições às actividades judaicas aumentaram, retornou de Budapeste para ficar com sua família, em casa.
Um mês após a ocupação da Hungria pelos nazis, em Março de 1944, toda a população judaica de Ungvar foi obrigada a deixar seus lares. Os judeus foram enviados pelos nazis para uma fábrica de tijolos, transformada em uma espécie de gueto. Foi nesse lugar, quando as deportações começaram, que a família Kraus foi separada e Dina levada para o complexo Auschwitz-Birkenau, em Maio.
Milagrosamente, depois de algumas semanas, ela conseguiu localizar e comunicar-se com Jidu, seu irmão mais novo. Ainda vivo o “pequeno Jidu” estava na ala das crianças do campo D do complexo Auschwitz-Birkenau.
“Um grupo de crianças pequenas carregando tijolos passou diante de nós. Entre elas estava meu irmãozinho, vestindo o uniforme listado do campo de concentração… Podíamos ver-nos diariamente, jogar cartas, consolar-nos e dar esperança, um ao outro. Ele era tão sério… Algumas vezes eu não podia acreditar que ele era o meu irmão menor, que há tão pouco tempo era considerado o pequeno e imaturo Jidu”.
Em Setembro de 1944, quando os alemães dependiam mais do que nunca do trabalho escravo dos prisioneiros, Dina foi enviada a um campo de trabalho, Unterluss, perto de Hannover, ao norte da Alemanha. Como era fluente em alemão, tornou-se a encarregada do alojamento de trabalhadores e distribuía a porção diária de sopa aos presos. Um dia, em Pessach, a festividade que comemora o fim da escravidão no Egipto e a liberdade, um grupo de meninas aproximou-se do alojamento e lhe perguntou se poderia preparar um Seder de Pessach secreto.
O Seder é o ponto central de Pessach. Para realizá-lo, é preciso ter uma Hagadá. Dina Kraus, então, começou a contar a história de Pessach nos alojamentos. Ela lembrou-se de todos os Sedarim que presenciara e, assim, resumiu todos os textos e a liturgia que estavam em sua memória. Depois, com um lápis, escreveu em papel obtido de forma clandestina grandes partes da Hagadá de Pessach: “Hashatá avdei, l’shaná habá benei chorin” – “Esse ano, somos escravos, mas no próximo, seremos livres”.
É difícil imaginar o impacto espiritual que tais palavras, celebrando a promessa de liberdade para os judeus, tinha nas meninas e moças do alojamento de Dina Kraus. Essas palavras eram sussurradas e cantadas debaixo do nariz dos guardas que, se descobrissem, teriam-nas punido severamente pela grave infracção. Essas palavras certamente eram ditas em Sedarim secretos similares, realizados em outros campos de concentração.
Dina Kraus sobreviveu ao martírio nazi e foi libertada pelas tropas britânicas em Bergen-Belsen, para onde tinha sido transferida depois de sua permanência em Unterluss. Ao se ver livre, pensava frequentemente sobre a importância da educação judaica. Finalmente, ela começava a reorganizar sua vida.
Na carta ao pai, Dina escreveu:
“Em Bergen-Belsen, eu estava muito doente, com tifo… Somente quando os britânicos partiram, percebi que estava sozinha… E ainda fiquei no hospital em Malmoe (Suécia) por três semanas, era uma escola… Aos poucos, encontrei dentro de mim uma vontade de voltar para a vida real e quando ouvi dizer que estavam procurando uma professora para crianças refugiadas, candidatei-me para a função… Escrevo-te agora, meu querido pai, do meu novo cargo”.
Seu irmão Jidu e sua mãe foram assassinados em Auschwitz-Birkenau. Ela e o pai imigraram para os Estados Unidos em 1946. Sua Hagadá escrita à mão é testemunha do poder da resistência espiritual à sombra da morte.
Fonte : To Life, 36 Stories of Memory and Hope – Museum of Jewish Heritage
Via: Judaica Fm
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