sexta-feira, dezembro 11, 2009

Entre Jesus e John Wayne

Imagepor Fernando Garros
Estava escutando um dia desses uma música do Gaither Vocal Band, tradicional grupo do chamado southern gospel  americano ( musica evangélica sulista americana - que pra nós soa como country mas os gringos a chamam assim ou ainda de adult christian music - vai entender) e uma musica deles em especial me chamou muita atenção.

O título dela era “Between Jesus and John Wayne” (Entre Jesus e John Wayne), está no último álbum desse clássico grupo e a letra versava sobre essa nossa dificuldade como cristãos nascidos de novo de conviver com as vontades e desejos do velho homem. Ou seja, a velha luta da carne contra o espírito. Aquilo que eu tento não fazer contra o que eu acabo fazendo. Por se tratar de uma música em estilo country, a letra brilhantemente contextualiza essa batalha espiritual que Paulo descreve em Romanos 7: 14-17 no universo do western.

O autor dizia que ele queria ser parecido com Jesus nas suas atitudes do seu dia-a-dia, mas acabava sendo sempre mais parecido com o durão do John Wayne, uma figura antológica de Holywood conhecido por seus personagens insensíveis, beberrões, mulherengos e valentões.

A franqueza da letra, a sacada da abordagem e a capacidade de contextualizar um texto bíblico de maneira a criar ressonância com o ouvinte me fizeram pensar.

Pensar um pouco sobre o que andamos cantando ultimamente em nossa igrejas, escutando nos iPods, nos carros, nos computadores e tocando nas rádios em nosso país, no contexto da música evangélica.

Quando escuto uma música evangélica, sempre espero dela que, em algum momento, ela me inspire, me toque, traduza meus sentimentos e seja capaz de, em forma de música, trazer algum tipo de relação e aplicação com meu dia-a-dia, meus dilemas e minhas perturbações.

Mas o que tenho ouvido massiva e incansávelmente na mídia eletrônica evangélica nacional é uma música que louva ao Senhor a todo instante, como se estivéssemos num culto 24 horas do dia. Estamos sendo assolados por uma onda de worship (adoração) por todos os lugares, como se não houvesse mais nada para se cantar sobre a vida cristã. E não trabalhássemos, não tivessemos angústias, desejos pecaminosos, medos, incertezas e estivéssemos revestidos com capas de santidade em plena luz do dia, indiferentes ao contexto que nos cerca.

Ainda não fui para o céu, onde certamente louvarei ao Senhor sem parar, pois só farei isso a eternidade toda. E tomara que isso seja divertido e melhor do que muita coisa legal que posso fazer hoje mesmo nessa terra. Como ver  a gargalhada da minha filha ou tocar com meus amigos. Portanto, capricha aí, Senhor, viu?

Mas  hoje estou (infelizmente) ainda aqui, preso nesse corpo e afetado por toda a sorte de consequências de ser um ser humano.

Não me sinto muito tocado com músicas assim. Talvez eu seja um insensível ou menos espiritual que a maioria. Pode ser.  Falha minha. Mas sinto falta de músicas que me falem de como esse Deus maravilhoso pode me ajudar nas minhas lutas triviais. Contra meu desejo de pecar, contra minha língua maldosa, contra minha falta de amor para com meus colegas de trabalho.

Veja, não estou dizendo que fazer música de adoração e louvor esteja errado. Muito pelo contrário, ela deve existir como forma de expressar a Deus o que sinto por Ele. “Em todo o tempo, louve ao Senhor” diz o salmista. Mas há espaço para muito mais do que isso, no meu entendimento.

Talvez seja um apelo comercial que tenha jogado muitos compositores, cantores e bandas a voltarem suas baterias criativas para o tal do worship. Figurões como Michael W. Smith, Petra e Ammy Grant  e mais recentemente Newsboys e Third Day viram suas carreiras ressurgirem das cinzas quando fizeram álbuns de adoração. Outros grupos que faziam um tipo de música de adoração dentro de suas igrejas mais, vamos dizer assim, “moderno”, alcançaram o estrelato, como os australianos do Hillsong, o americano Don Moen e os ingleses do delirious?.

Mas sinto falta da poesia inteligente, do bom-humor, da simplicidade e da criatividade de algumas temáticas que poderiam estar presentes nas nossas músicas, mas simplesmente não aparecem. Não sei se por medo de não venderem, ou talvez de não parecerem tão espirituais.

Muito embora já tivemos este momento aqui no Brasil mesmo, nas décadas de 70 e 80 com grupos como Vencedores Por Cristo em álbuns como De Vento Em Popa, Tanto Amor, Tudo ou Nada, ou ainda o projeto  Milad. Grandes letristas como Sérgio Pimenta, Aristeu Santos, Nelson Bomilcar e tantos outros que nos falam em poesia sobre nossas lutas como cristãos, nossa dever de falar aos outros sobre o amor de Cristo.

Tudo de maneira leve, expontânea, descontraída, mas não menos espiritual e inspirativa. Talvez tenha sido a época em que a música evangélica brasileira mais se aproximou dos brasileiros, falando em ritmo de baião, sertanejo, bossa-nova e até mesmo pop rock daquilo que brasileiros sem Cristo sentiam.

Mas parece que isso tudo deu lugar simplismo do worship, onde, desde que fale de Deus e seus atributos, tudo está valendo. Mas sinto a necessidade de ir mais além, de ir mais fundo nas idiossincrasias do cristianismo, na luta da carne (aquilo que é a minha vontade) contra o espírito ( aquilo que eu deveria fazer por amor a Deus).  Isso exige mais penso, mais lirismo, até mais ironia e bom-humor.

Como essa música do Bill Gaither.  O velho Bill Gaither.

Porque o verdadeiro cristianismo é uma luta todos os dias. Um faroeste espiritual, onde miramos o alvo, mas nem sempre acertamos.O Espírito Santo deve nos ajudar a calibrar a mira a todo momento.  Porque o alvo é alto, quase inatingível. Mas vale o treinamento e as tentativas. E é nas tentativas que nos aperfeiçoamos como cristãos melhores.

Então, compositores e músicos do meu Brasil. Vamos pensar mais. Vamos ler mais, ver e ouvir coisas diferentes e olhar o Evangelho com outros olhos, com novas perspectivas. Porque a vida com Cristo é sim, coisa de herói.
Bem maior que o John Wayne.
Fonte: Cristianismo Criativo

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